quinta-feira, 9 de junho de 2011

Notas de Aula: sentido e referência ou a dimensão lógica do significado, em Frege e Eco

Queridos,


Seguem abaixo as notas referentes à aula de 2a feira, sobre as abordagens lógicas do significado. Mais tarde, seguem as notas da aula de 4a feira.


Bom fim de semana a todos.


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Benjamim



Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula no 4 – 06/06/2011
Os Elementos da Semiose: da confusão entre os veículos e os objetos dos signos

4.4. Abordagens lógicas do significado: sentido e referência, em Frege e Eco

1. Se fixarmos nossa atenção ao modo como Umberto Eco introduz, em seu texto, a dimensão na qual os significados podem interessar às teorias semióticas, veremos que o tratamento deste conceito deve ser depurado das tinturas metafísicas que o caráter remissivo dos signos parece implicar: já vimos, na sessão anterior, que o conceito que a semiótica toma por centro de suas interrogações ano pode ser assumido na condição de uma entidade, mas de uma função; decorrência deste seu aspecto relacional, a idéia mesma de que os signos se definam como “função de remetimento”, coloca em vista o problema de como definir aquilo para o quê os signos estão, necessariamente.

2. O esforço de Eco por depurar conceitualmente aquilo a que podemos chamar de significados ecoa (perdoe-nos a infâmia) certas preocupações que já vislumbramos, em capítulos anteriores deste percurso, quando nos perguntávamos sobre os fundamentos ontológicos da pergunta sobre como compreendemos realidades: basta que nos recordemos do destaque que Quine faz, em “Sobre o ser”, para a distinção muito importante entre ter sentido e nomear, quando se interroga sobre que tipo de ontologia deve servir de base para a verificação de asserções sobre a existência de alguma coisa (em especial quando consideramos expressões que contêm variáveis pertencentes a discursos como os da ficção e da matemática). Uma ontologia que admite números e entidades ficcionais não pode ser estruturada na admissão de que os termos que designam tais coisas funcionem como substantivos ou nomes próprios.

·       Quine, “Sobre o ser”: p. 28.

3. Em Umberto Eco, estas questões se deixam ressoar como uma pergunta sobre qual é mesmo o caráter deste “remetido” que inere a toda significação, pelo qual afirmamos que uma expressão qualquer lhe faz referência: é ele da ordem de um existente, ou pede de nós outro critério para sua definição? Pois quando nos exprimimos sobre a relação entre a rainha e a feminilidade (mais simplesmente, quando dizemos “A rainha é uma mulher”), o que assumimos como real acerca desta expressão tem certa relação com aquilo que chamaríamos de sua verdade ou falsidade: em que sentido, os critérios de verdade, neste caso, seriam derivados da atualidade desta expressão?

“Decidimos definir provisoriamente como significado o que poderia localizar um remetido (um indivíduo, uma relação, um conceito, uma propriedade, um estado de coisas) em ao menos um mundo possível, independentemente de cada atribuição de existência atual (...). Por isso, pode-se provisoriamente decidir definir o significado de uma expressão também como tudo o que é passível de interpretação.” Eco, “Dicionário vs. Enciclopédia”: pp. 65,66.

4. Na medida em que a questão do significado implica em uma distinção especial entre os objetos do remetimento de um juízo e a ordem da referência, se introduz na discussão o horizonte no qual os significados implicam uma certa metafísica da referência: pois é neste ponto que se conectam as questões que abordamos na seção anterior e o estatuto semiótico do significado (ao menos no que respeita as versões que caracterizam as abordagens que o pensam a partir de marcos lógicos). Eco faz claras menções a esta distinção (originária dos escritos de Frege) e tenta recobrar o fundo lógico e epistêmico da questão do significado, a partir da diferenciação entre o remetido e a referência (isto é, entre o caráter ontologicamente determinado do objeto dos signos – seu aspecto de coisa ou de entidade remetida - e o caráter funcionalmente determinado deste remetimento – isto é, o fato de que o significado é, como nos lembra Barthes, “relativo à significação e não à coisa significada”).

5. Assim sendo, podemos contemplar que a reflexão sobre os significados, assumida sua decorrência com respeito ao fato de que os signos são definidos fundamentalmente como relações, transfere para a análise de seus conteúdos, as mesmas constrições submetidas ao conceito mesmo de signo: se considerarmos o discurso lógicos sobre significados, de uma maneira geral, falar dos conteúdos não é, assim, falar das coisas às quais remetemos nossas expressões, mas sim da posição assumida pelo significado no contexto das funções sob as quais se especifica esta remissão dos signos a uma realidade atual ou possível; enfim, os significados são termos das funções sob as quais o pensamento põe em relação duas instancias de seu momentâneo interesse.

6. Ao considerar que nem sempre no uso corriqueiro da linguagem estamos preocupados com o objeto de nossas expressões, mas apenas com o modo gramatical de apresentá-las, Frege assume uma distinção sugestiva entre os nomes como formas de apresentação nas quais um objeto é designado (seu sentido, em termos fregeanos), e sua referência propriamente dita: numa certa parte de seu texto, ele estabelece que o sentido é aquilo que exprimimos (através de um nome próprio, por exemplo), ao passo que a referência é aquilo que esta expressão representa.

“É, pois, plausível, pensar que exista, unido a um sinal, (nome, combinação de palavras, letras), além daquilo por ele designado, que pode ser chamado de sua referência, ainda o que eu gostaria de chamar de o sentido do sinal, onde está contido o modo de apresentação do objeto. Consequentemente, segundo nosso exemplo, a referência das expressões ‘o ponto de interseção de a e b’ e ‘o ponto de interseção de b e c’ seria a mesma, mas não o seu sentido. A referencia de ‘Estrela da Tarde’ e ‘Estrela da Manhã’ seria a mesma, mas não o sentido”. Cf. Frege, “Sobre sentido e referência”: p. 66,67.

7. Reportando-se às idéias lógicas de Frege, Eco faz uma observação à distinção fregeana entre “sentido” e referência”, e que merece consideração, quando examinamos o conceito semiótico de significado. Como está particularmente interessado em depurar da noção de bedeutung qualquer implicação que a vincule a uma idéia estritamente substantiva dos objetos da significação, Eco impõe às idéias de Frege uma certa cláusula restritiva: em primeiro lugar, ela envolve um esclarecimento sobre o conceito mesmo de “objeto”, na semântica lógica fregeana, pois este não envolve qualquer admissão sobre entidades físicas ou classes das mesmas, mas sobretudo o preenchimento ou não de funções ligadas à produção de juízos (o objeto é, assim, um dos termos da relação pela qual o signo funciona).

8. Nestes termos, se a bedeutung de um nome próprio é seu objeto, não podemos supor que este seja uma entidade que é nomeada pelo signo (ou pelo substantivo), mas sim o horizonte de sua referência possível, em relação ao qual ele exprime um sentido determiando. Nestes termos, se fixa em Frege a noção de que uma mesma referência (um mesmo sujeito de juízo ou predicado) pode ser expresso por variados sentidos: é em tais termos que, para Umberto Eco, a idéia fregeana de referência seja restituída a uma matriz ontológica que é a da mera “possibilidade”; assim sendo, não é o caso de supormos que aquilo a que um nome próprio se refere deva ser um ente para construir uma referência, pois o objeto da significação se constrói num horizonte de possibilidades que o sentido de cada juízo pretende instaurar.

“Basta então, para falar da Bedeutung, que se possa descrever um objeto qualqer (indivíduo real, entidade fictícia, conceito matemático) por meio de uma série concomitante de sentidos. Desse modo, então, a Bedeutung de Frege teria mais relação com o que até esse momento é chamado significado do que com aquilo que é chamado referencia. A Bedeutung é o objeto construível de uma referencia possível”.  Cf. Eco, “Dicionário vs. Enciclopédia”: p. 70.

9. Esta questão tem um valor especial, quando consideramos, por exemplo, que o significado ou a referência de um signo não é da ordem de uma remissão à concretude existenicial de seus remetidos, mas à mera possibilidade de sua postulação: assim sendo, ao falarmos do significado de uma expressão como “o décimo segundo planeta de nosso sistema solar” (ou “o corpo celeste mais distante da Terra”), não podemos supor que nossa compreensão da expressão dependa da capacidade de se determinar um valor estritamente individual de sua referência.

10. No caso de expressões desta natureza (poderíamos incluir aí proposições sobre “Pégaso” ou “D’Artagnan”), não há nada, na ordem das extensões do conceito de “planeta de nosso sistema solar”, que possa fixar um valor definido para sua asserção (pois sabemos que não há, dentre as coisas que cairiam sob este conceito, uma décima segunda entidade). Mas, se assumimos que podemos compreender o que esta expressão significa (o que é precisamente seu sentido), não podemos admitir que o problema de sua existência estaria posto na ordem de uma “possibilidade” (que nos restituiria aos marcos hipotéticos da ciência astronômica, de um lado, e das regras para a imaginação fabuladora, na ficção científica)?

Referências Bibliográficas:
Eco, Umberto. “Dicionário vs. enciclopédia”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
Frege, Gottlöb. “Sobre sentido e referência”. In: Lógica e Filosofia da Linguagem;
Quine, W.v.O. “Sobre o que há”. In: Existência e Linguagem: ensaios de metafísica analítica.

Próximas Leituras:
Eco, Umberto. “Dicionário vs. enciclopédia”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
Hjelmslev, Louis. “Expressão e conteúdo”. In: Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem.

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