quinta-feira, 9 de junho de 2011

Notas de Aula: significado e figuras do conteúdo, em Barthes, Eco e Hjelmslev

Queridos,


Como prometido, a seguir, as notas da última aula.


Ad,


Benjamim



Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula no 4 (08/06/2011)
Os Elementos da Semiose: da confusão entre veículos e objetos dos signos

4.5. Significado semiológico e as figuras do conteúdo na Semântica Estrutural

1. A partir das definições de Saussure sobre o signo lingüístico (como união indissociável entre significante e significado), estamos na mesma situação que descrevêramos anteriormente, no que concerne o estatuto dos “remetidos”, numa perspectiva de estudos sobre o funcionamento dos signos, inaugurada nas vertentes lógicas das teorias da significação: se com Peirce e Frege, já vimos que o signo contrai em sua unidade mesma aquilo que define seu sentido ou sua interpretabilidade, na perspectiva dos estudos da linguagem tampouco poderíamos separar as manifestações de um sentido comunicacional, em relação aos veículos através dos quais essa comunicação se materializa.

2. De modo mais pedestre, basta que nos restituamos à definição mesma do signo lingüístico, em Saussure, para nos certificarmos dessa inerência do sentido (ou do significado) em ralação ao próprio signo, ao invés de supormos que a instância da remissão sígnica seja, de algum modo, separada do estatuto do próprio signo, tomado na sua condição de unidade de uma função de remetimento. Do mesmo modo que nas vertentes lógicas, apaga-se também a impressão de que o signo traz em causa coisas que são nomeadas por ele, para insistir na idéia de que o correlato de um signo não é uma entidade de existência autônoma, mas uma idéia ou conceito associado ao som através do qual o signo é expresso.
 
3. Mesmo nas observações posteriores de Barthes sobre a união necessária entre o plano da expressão e o plano do conteúdo, na definição do signo semiológico, a ordem dos significados não pode ser exterior à definição mesma dos signos, mas está necesariamente comprometida com o regime de remetimento que lhe é inerente. Na prática, devemos apenas ser capazes de separar no signo (analiticamente falando) uma porção própria de veiculação (característica de sua porção que é designada como “significante”) e uma outra, de destinação (definidora do “significado”).

4. De resto, tanto para as vertentes linguísticas quanto para as abordagens lógicas de uma teoria dos signos, o estudo semântico se incorporaria aos limites de uma semiologia geral (ou de uma teoria geral dos processos de significação). Resta-nos, entretanto (do mesmo modo que nos caso das vertentes lógicas da teoria da significação), nos perguntar sobre qual é mesmo a ordem dos fenômenos ou das coisas de que estamos falando quando definimos o significado, nesta mesma perspectiva semiológica.    

5. Em Barthes, portanto, a interrogação sobre o estatuto teórico dos significados nos põe de encontro a uma ordem de problemas que são internos ao projeto de uma semântica estrutural (portanto, de um ramo das explorações da Linguística, enquanto tal): isto é, para a semiologia, o problema do significado tem correlação com um aspecto estrutural de nossa compreensão das funções semânticas de práticas extra-linguísticas, a que Barthes designa como “isologia”, isto é, o modo como as línguas naturais (tomadas, neste aspecto, mais como sistemas de regras do que como instituições sociais) fazem conectarem-se indissociavelmente uma porção significante qualquer (uma peça de vestuário, um gesto, uma imagem) e seu correlato linguístico, que assume a forma de uma proposição. A “dizibilidade” essencial de todo e qualquer material significante (e que venha a constituir um universo de manifestações semiológicas) introduz o problema do significado, em Barthes como algo que tem demarcação ou origem na ordem do dizer, nas formas do discurso.

        “No essencal, a situação não poderia ser diferente em Semiologia, em que objetos, gestos, etc., tanto quanto sejam significantes, remetem a algo que só é dizível por meio deles, salvo esta circunstância Segundo a qual os signos da lingual podem encarregar-se do significado semiológico; diremos, por exemplo, que tal suéter significa os longos passeios de outono nos bosques; neste caso, o significado não é apenas mediado por seu significante indumentário (o suéter), mas também por um fragmento de palavra (o que é uma grande vantagem para manejá-lo); poderíamos dar o nome de ‘isologia’ ao fenômeno pelo qual a lingual ‘cola’ de modo indicernível , seus significantes e significados.” Barthes, Roland. “Significado/Significante”: pp. 46,47.

6. Não é assim casual que, ao introduzir o problema do significado em Semiologia (e ao endereçar seus fundamentos ao modo como Saussure compromete no conceito de signo linguístico, ao mesmo tempo, sua ordem de veiculação e seu remetimento), Barthes proceda do mesmo modo que Umberto Eco, ao procurar diferenciar o estatuto da destinação, que é intrínseca a todo signo, das definições de entidades psicológicas ou metafísicas, como sendo seus significados, isto é: de um ponto de vista linguístico ou semiológico, o significado não deve ser assimilado nem aos conteúdos mentais, tampouco à ordem de uma realidade exterior à consciência, mas como especificação ou segmentação linguística do remetimento sígnico.

7. Tudo isto, evidentemente, aporta toda uma série de riscos para uma teoria dos signos, no sentido de uma certa definição circular dos significados, o que é reconhecido pelo próprio Barthes (“o signo é este ‘algo’ que quem emprega  signo entende por ele”): o significado não é algo de simplesmente real (isto é, puramente anterior à nossos modos de compreensão), mas algo de real que só se torna mais específico quando assume seu valor próprio, correlativamente ao modo de manifestação dos signos. Já vimos na introdução aos aspectos metafísicos de uma concepção semiótica dos significados que tudo isto apenas significa que o conceito de significado não pode ser separarado do de significação, isto é da ação na qual o remetimento e a veiculação sígnicas se encontram inevitavelmente unidos.

8. De resto, segundo o próprio Barthes, o problema do significado escapa às tarefas exclusivas de uma semiologia geral, concebida enquanto ciência: o problema do ordenamento das figuras do conteúdo (ou do significado) é sobretudo tarefa de um ramo da linguística, definido como sendo uma “semântica estrutural”; e este ordenamento se constituiu sobretudo como uma operação de separação destas figuras como constitutivas da forma e não da substância dos significados. Estamos introduzindo nesta exposição termos fundamentais de uma abordagem semiológica dos processos de significação, mas que têm origem em uma abordagem específica dos significados. Vamos nos deter um pouco sobre este ponto, a partir de agora.

9. Na sua definição mesma do signo semiológico, Barthes incorpora do modelo lingüístico de Hjelmslev a noção de que a definição de signo deve contemplar seu aspecto de relação: nestes termos, o que constitui o signo como objeto de estudos é o fato de que os elementos que ele contrai são os funtivos de uma relação; no caso, estes termos são a expressão através da qual o signo é necessariamente manifesto, de um lado, e seu conteúdo, de outro, pelo qual ele é mensurado em seu aspecto de destinação. De maneira que é importante para nós destacar, esta perspectiva de análise trata os significados como entidades internas ao próprio signo, num tipo de concepção sobre o funcionamento de nossos modos de compreensão que congrega na unidade sígnica seus modos de manifestação e seus poderes de referência.

10. A relação entre significado e formas do conteúdo: Umberto Eco reconhece que, dentre os artifícios teóricos dos quais nos valemos comumente para definir os significados, o mais freqüente é aquele que assimila a idéia de remetimento à de sinonímia: quer consideremos as funções de definição, nomeação ou comparação entre nossas expressões e aquilo que as mesmas significam, em geral tratamos o domínio dos remetidos como sendo um correlato do que pode ser assumido como símile da expressão ela mesma. O problema de uma tal concepção do significado é o de sua evidente circularidade ou bicondicionalidade. Nestes termos, é melhor que se trabalhe com a idéia de que o universo da referência possui uma base categorial, isto é, o que chamamos de significado tem menos correlação com os fundamentos convencionais da sinonímia e muito mais com a estrutura categorial dos processos de referência.

      “Deve-se, pois presumir, que os processos de categorização não dependem dos processos semióticos. Ao contrário, é lícito supor que processos semióticos e processos de categorização (e no limite, portanto, processos perceptivos) sejam muito solidários. A isso conduziria em cada caso uma teoria que defina o significado não em termos sinonímicos ou em termos de referimento, mas de maneira mais formal: que descreva o significado como o resultado de uma operação categorical do mundo”. Cf. Eco, U. “Dicionário vs. enciclopédia”: p.80.

11. Mas nos resta refletir sobre que espécies de coisas são os conteúdos, tomados nesta condição de termos da relação sígnica: ainda na linhagem das concepções de Hjelmslev, Eco e Barthes consideram os dois planos da relação sígnica devem-se subdividir, em substância e forma; assim sendo, no caso dos conteúdos, devemos separar os aspectos emotivos, sensoriais, ideológicos ou nocionais do significado (não especificáveis em termos exclusivamente linguísticos) para dar atenção e preferência àqueles que definem a organização formal dos remetidos, por ausência ou presença de marcas semânticas (sendo estes especificáveis em termos daquilo que a estrutura da língua estabelece). Para Eco, istos constitui as bases de um sistema dos conteúdos, na semântica estrutural.

“Podemos, pois, estabelecer que o dicionário hjelmsleviano está em condições de explicar alguns fenômenos semânticos que, Segundo a literature corrente, fazem exatamente parte do cicionário: I) sinonímia e paráfrase (…); II) similaridade e diferença (…); III) antonímia (…); IV) hiponímia e hiperonímia (…); V) sensatez e anomalia (…); VI) redundância (…); VII) ambigüidade (…); VIII) verdade analística; IX) contraditoriedade (…); X) concisão (…); XI) inconsistência (…); XII) inclusão e implicação semântica. Cf. Eco, U. “Dicionário vs. enciclopedia”: pp. 84,85.

12. Nestes termos, o objeto que caracteriza os significados, numa perspectiva mais próxima dos fatos lingüísticos, tem a ver com o problema da organização formal dos conteúdos da referência ou, em linguajar estrutural, tem a ver com as formas do conteúdo. O que isto significa? Na mesma perspectiva em que Barthes destaca a dependência do conceito de significado com respeito aos processos de significação, aqui, a noção de conteúdo destaca no âmbito da necessária remissão sígnica, seus aspectos estruturais, em detrimento de suas substâncias. Dizendo de outro modo, é necessário isolar, na análise dos significados, tudo aquilo que é circunstancial para sua referência, privilegiando os aspectos que, de um ponto de vista lingüístico, são permanentes. Restando ainda o desafio de descrever quais seriam mesmo esses elementos estruturais ou da forma do significado. Este assunto tomará nossa atenção quando nos voltarmos para a análise dos modelos semânticos associados às concepções linguísticas do significado, nosso assunto seguinte.

Leitura Obrigatória:
BARTHES, Roland. “Significado/significante”. In: Elementos de Semiologia;
ECO, Umberto. “Dicionário vs. Enciclopédia”: in: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
HJELMSLEV, Louis. “Expressão e conteúdo”. In: Prolegômenos a um a Teoira da Linguagem;

Próximas Leituras:
ECO, Umberto. “Dicionário vs. enciclopedia”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
VOLLI, Ugo. “Estruturas”. In: Manual de Semiótica.

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