quarta-feira, 27 de abril de 2011

ATENÇÃO- 1A AVALIAÇÃO PARCIAL

Queridos,

Aqui vão as questões relativas à primeira avaliação parcial da disciplina: como mencionei ainda hoje, em sala, as questões são referentes às duas primeiras unidades do programa (por isto, são quatro questões): sugiro que vcs. respondam uma questão de cada unidade (de preferência, dando conta de uma questão mais "teórica" e a outra, mais "analítica"). 

Mas nada disto é obrigatório, apenas o fato de que duas destas quatro questões devem ser obrigatoriamente respondidas (aos espíritos indômitos que se aventurarem em mais do que duas respostas, a única recompensa será minha admiração). Peço que leiam as instruções antes das questões com muita atenção e que tenham paciência no tratamento dos problemas propostos.

Como combinamos hoje em sala, a data para entrega das respostas é o dia 04/05 (próxima quarta-feira): quem quiser me entregar versões impressas, no dia da aula, pode ficar a vontade; para as entregas online, estipulo o horário habitual (o lapso de tempo entre o fim do Jornal Nacional e o início de "Insensato Coração", pois até semioticistas são gente...).

Ad,

Benjamim



UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CULTURAIS E MÍDIA

Disciplina: Fundamentos Linguísticos da Comunicação (GEC 043)
Professor: Benjamim Picado
Horário: 2as e 4as, de 14 às 16:00
Local: Sala C-211 (2as) e C-214 (4as)

1a AVALIAÇÃO PARCIAL
(1a e 2a Unidades)

Modo de Usar: Sugiro que vc. responda ao menos uma questão de cada unidade do curso (na escolha das questões, dê preferência a responder uma de teor mais teórico e a outra, de teor mais analítico). Para o correto tratamento das questões da prova, utilize sua própria capacidade de argumentação (além das fichas de leitura e as notas das aulas), procurando exercitar certo distanciamento com respeito ao modo de exposição das idéias dos textos centrais da unidade (por exemplo, dê preferência às paráfrases em oposição à transcrição literal dos textos, a não ser nos casos estritamente necessários). No que respeita a compreensão dos itens da unidade, valorize um tratamento mais esquemático das idéias mais importantes, prestando sempre atenção naquilo que é especificamente solicitado em cada questão. Nas perguntas de teor mais analítico (de exame de objetos), procure correlacionar os dois domínios requisitados (o da compreensão dos textos de base e o do exercício da análise dos materiais propostos).

1a Unidade: o estudo dos signos e a “lógica da cultura”

1. Discorra breve mas suficientemente sobre as relações entre o estudo dos signos e o universo dos fenômenos culturais, procurando articular em sua argumentação as leituras dos textos de Umberto Eco, Iuri Lotman e Julia Kristeva.

2. Considere a seguinte matéria, publicada no caderno “Ciência”, do jornal diário Folha de São Paulo, de 09/03/2011 (para lê-la na íntegra, basta clicar o link logo abaixo):


Tendo em vista o assunto da reportagem em questão, como vc. avaliaria a questão do desenvolvimento de habilidades instrumentais no trato com a natureza, por parte do reino animal, à luz das teses manifestas nos textos de base da unidade, especialmente tendo em conta uma concepção antropológica da cultura, visada pelos estudos semióticos?

2a Unidade: a Semiótica no contexto das disciplinas da comunicação

3. Considere a seguinte passagem do texto « Comunicação », de Ugo Volli (in : Manual de Semiótica, p. 18,19) : 

« Quando imaginamos uma comunicação, normalmente não pensamos em situações tão elementares como entender a direção do movimento de um carro, deduzir o tempo que faz pela cor do céu ou identificar um cão por certa imagem colorida em nosso campo visual. Referimo-nos, ao invés disto, a atividades como enviar uma carta, fazer publicidade, gritar alguma coisa a alguem, narrar uma historia (…). É claro que a significação da qual falamos no paragrafo anterior não é um fenomeno do mesmo tipo que uma autêntica comunicação. Neste caso, não existe um emissor que nos envia uma mensagem de céu nublado para fazer-nos prever chuva ; o rapaz que encontramos não está procurando parecer um estudante (simplesmente tem um jeito de estudante), os exantemas do sarampo não nos são enviados pelo virus da doença como uma espécie de carta para informar-nos, mas são uma desagradável consequência biológica de sua presença em nosso corpo, que o médico é capaz de interpretar ». 

Considerando a distinção proposta nesta passagem, entre as noções de «comunicação» e «significação», como vc. correlacionaria cada uma destas noções com os modelos da pesquisa semiológica e semiótica, em Umberto Eco e Roland Barthes ? 

4. Considere o seguinte segmento de matéria publicada no caderno “Poder”, do jornal Folha de São Paulo, de 27/04/2011 (para ler o artigo, acesse o link abaixo): 


Procure analisar o texto desta matéria, tendo em vista os procedimentos de conotação que ele mobiliza, levando em conta aquilo que Roland Barthes elabora sua estrutura, no capítulo «Língua/Fala », de Elementos de Semiologia, assim como Umberto Eco o faz, em "O universo do sentido", capítulo de A Estrutura Ausente.


Referências Bibliográficas :
BARTHES, Roland. « Introdução » e « Língua/Fala ». In : Elementos de Semiologia ;
ECO, Umberto. « Introdução : rumo a uma lógica da cultura ». In : Tratado Geral de Semiótica ;
ECO, Umberto. « O universo do sentido ». In : A Estrutura Ausente ;
KRISTEVA, Julia. « A sémiotica ». In : A História da Linguagem ;
LOTMAN, Iuri. « Sobre o problema da tipologia da cultura ». In : Semiótica Russa ;
VOLLI, Ugo. « Comunicação ». In : Manual de Semiótica.

ad augusta per angusta

Notas de aula: o "universo do sentido" e os dogmas linguísticos da semiologia, segundo U.Eco

Queridos,

Como prometido, seguem abaixo as notas de minhas exposições desta semana sobre as críticas de Umberto Eco ao estruturalismo semiológico e sua formulação inicial de um programa das pesquisas semiológicas, a partir de A Estrutura Ausente.

Ainda hoje, seguirão as questões da avaliação parcial, com instruções e data para entrega das respostas.

Divirtam-se,

Benjamim

Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula nº 2 – 25 e 27/04/2011 
A Semiótica no contexto das disciplinas da comunicação 

2.3. A comunicação, entre o universo dos sinais e o universo do sentido: o programa da pesquisa semiótica, em Umberto Eco.

1. O percurso que conduz Umberto Eco a sua formulação mais própria de um programa de pesquisas semióticas se caracteriza, em primeira instância, por um aspecto de digressão temática que se assemelha, em parte, àquele que havia conduzido Roland Barthes ao encontro da semiologia. Mas, enquanto o caso deste parecia mais afeito às descobertas teóricas feitas por um critico literário, desdobrando-se em questõesde ordem metdológica sobre os novos modos de aproximação a objetos do campo cultural, a transformação havida em Eco tinha um caráter mais epistemológico, por assim dizer. Tentemos expor as linhas gerais desta diferença.

2. Uma diferença essencial, no caso de Eco, é que o encontro com as teorias da significação afeta em cheio um determinado conjunto de problemas com os quais ele mesmo já vinha se defrontado, nas fases iniciais de sua interrogação (aquela a que certos autores se rferem como sendo seu “Período pré-semiótico”): com isso, queremos dizer que, muito embora haja esse dado de um entusiasmo comum de ambos com as sugestões de aporte metodológico implicadas na introdução de um saber semiológico (manifestas por expressões como da “embriaguez” ou da “virada” em direção aos signos, em cada um dos casos), os problemas teóricos dos quais se origina cada um desses movimentos não poderiam ser mais diferentes entre si.

3. Pois enquanto Barthes se defronta com um novo programa de pesquisas, no transcurso de seu exercício continuado de uma estilística da crítica cultural, Eco chega à semiótica através de um caminho mais caracteristicamente “acadêmico”: o ponto de partida do pensador italiano se manifesta mais claramente em uma de suas primeiras obras mais conhecidas, na qual ele aborda o problema das estratégias do discurso poético da modernidade (a questão dos programas de abertura do sentido das obras de uma certa época, que ainda seria a nossa), e que inaugura uma forma de abordagem das estratégias textuais, em geral, e que as permita compreender, antes de tudo, como sistemas de significação.

4. Mas ainda entre estes dois movimentos (o da pergunta sobre uma poética da “obra aberta” e a proposição de um método semiológico, como matriz de uma crítica dos fenômenos da cultura mediática), há ainda um outro aspecto desta “virada semiótica” de Umberto Eco, sendo precisamente este aspecto que nos permite coligar (sob o signo de um relativo antagonismo), suas abordagens e aquelas que caracterizam o viés barthesiano da semiologia estrutural. É sob este ponto da empreitada semiológica de Eco que devemos começar a apresentar seu viés mais próprio de pensamento sobre as tarefas de uma teoria da significação no contexto das comunicações de massa.

5. No início daquela que é reconhecida como sua fase mais expressamente semiótica (que se cristaliza em sua primeira grande obra sobre o tópica, A Estrutura Ausente, de 1968), o programa de pesquisas que ele avança coloca em cheque, de saída, o modo com se poderia abordar a herança da lingüística estrutural, no momento mesmo em que postulava uma teoria geral da significação: pois, à época de Barthes e Eco, a idéia mesma de uma semiologia parecia trazer de arrasto, como dado de pressuposto de qualquer proposição sobre sistemas de significação, esta espécie de transcendência do lingüístico, como modelo de toda ordem do sentido; ora, no caso de Eco, esta relação é posta sob exame necessariamente crítico, já que ele questiona (desde o início mesmo de suas primeiras formulações sobre a possibilidade mesmo de uma pesquisa semiológica) a necessária vinculação de seus objetos de estudos ao patamar através dos quais a lingüística firmou as estruturas mínimas do sentido.

6. Em sua primeira grande obra propriamente devotada às questões de método de uma pesquisa semiológica (La Struttura Assente, de 1968), Eco assume, em primeiro lugar, as tarefas deste programa de pesquisas, nos mesmos termos em que formulará, sete anos mais tarde, a questão da lógica dos processos culturais, no Tratatto de Semiótica Generale, ou seja: estudar os fenômenos culturais na condição em que os mesmo são tomados como fenômenos de comunicação. Isto dado, o que afasta a posição de Eco do restante do estruturalismo diz respeito à assimilação quase automática dos sistemas de significação subjacentes à comunicação como necessariamente materializados na forma que as teorias lingüísticas o caracterizaram (ao menos, a partir de Saussure). 
“A psicologia estuda a percepção como fato de comunicação, a Genética ocupa-se com a transmissão em código dos caracteres hereditários, a Neurofissiologia explica os fenômenos sensórios como passagens de sinais de terminações nervosas periféricas à zona cortical; e essas disciplinas valem-se dos instrumentos fornecidos pela teoria matemática da informação, que nasceu para explicar fenômenos de transmissão de sinais no campo das máquinas, mas baseou-se em princípios comuns às outras disciplinas, físico-matemáticas (...). Nesse ínterim, os modelos comunicacionais passavam a ser aplicados também aos fatos sociais, ao mesmo tempo em que se verificava um encontro dos mais frutíferos entre a Lingüística Estrutural e a Teoria da Informação: daí a aplicação de modelos estruturais e informacionais ao estudo das culturais humanas, das relações de parentesco, da cozinha, da moda, dos getsos, da organização do espaço, daí por diante.”. Eco, “O universo dos sinais”: p. 3,4.
7. Neste livro fundamental, Eco retoma o modelo mais elementar da comunicação disponível até então (aquele frequentemente associado às teorias matemáticas da informação), para dele extrair o valor próprio do conceito de código, assumindo-o doravante como um “sistema de signos”: mediante esta operação de homologia conceitual, Eco pretende estabelecer que aquilo que a incidência de um código, definido como uma instância necessária dos processos comunicacionais mais elementares (em especial quando estes envolvem o condicionamento probabilístico da conduta como critério de resposta operacional, como num sistema fechado), na qual a faculdade de reação é determinada pela nível probabilístico (portanto, matematicamente previsível) da capacidade de interpretação dos sinais oferecidos pelo meio-ambiente, poder-se-ia imaginar que este termo recobriria, em princípio, a mesma ordem de problemas que a noção de “sistema de signos” permitiu descrever, para o caso da língua. Nestes termos, é que Eco propõe, de início, assimilar o conceito de código ao de estrutura. 
“Ao lembrarmos a forma como Saussure distingue oportunamente a langue, como o depósito de regras no qual se baseia o falante, da parole, como o ato individual  através do qual o falante usa a langue e se comunica com seus semelhantes, termos encontrado o par código-mensagem; e, à semelhança do par código-mensagem, também o par langue-parole define a oposição entre um sistema teórico (a langue não existe fisicamente, é uma abstração, um modelo criado pelo lingüista) e um fenômeno concreto (a minha mensagem de agora, a sua mensagem de resposta, e assim por diante)”. Eco, “O universo do sentido”: pp. 29,30.
8. A este propósito, entretanto, a noção de sistema de signos que Eco apreende, como fundamento de um programa de pesquisas semiológico não implica, como é o caso de Barthes, na assimilação da presumida generalidade com a qual o conceito de língua poderia ser empregada, uma vez aplicada ao universo das manifestações extra-linguísticas: ao contrário do quadro dedutivo da semiologia barthesiana, Eco prefere examinar com mais paciência a possibilidade mesma de adotar o esquema e as propriedades sistemáticas da língua, a partir de considerações sobre determinados universos empíricos de observação. Em seu caso, um dos corpora privilegiados por ele (e explorado mais extensamente, no decorrer de sua obra semiótica) é o do universo das mensagens visuais, com especial atenção aos regimes comunicacionais em que ela é encontrada, no contexto mediático (por isto mesmo é que notamos que suas observações recaem sempre em campos como os da retórica publicitária ou do emprego narrativo das imagens, como no caso do cinema).

9. Se considerarmos um especial segmento do universo dos fenômenos semiológicos, em particular (a saber, o das mensagens visuais), veremos que a possibilidade mesma de fundamentar as abordagens próprias a uma teoria da significação implicará, segundo Eco, num descarte de ao menos uma das assunções fundamentais da semiologia barthesiana, ambas oriundas da influência do estruturalismo sobre o programa das pesquisas semiológicas: é neste ponto que o vemos identificar certos aspectos da relação entre semiologia e lingüística como partes de um dogma que se propaga indesejavelmente nos fundamentos mesmos da arquitetura dos saberes sobre signos e interpretação.

10. Assim sendo, Eco reconhece que determinados limites devem se interpor à marcação heurística que os instrumentais da lingüística estrutural propiciaram à pesquisa semiológica, uma vez reconhecida a abrangência empírica do universo das mensagens visuais (envolvendo, dentre outras, a linguagem da arquitetura e a da pintura, a retórica publicitária e os símbolos heráldicos, o cinema e a gestualidade): a tão reclamada unidade da empresa semiológica deveria então decorrer do grau com o qual o campo destas investigações pudesse assumir que nem todos os fenômenos comunicacionais poderiam implicar uma estrita redutibilidade de suas ocorrências aos caracteres definidores da língua (ao menos no sentido definido pela lingüística estrutural, a partir de Saussure).

11. Ao menos de início, Eco parece querer firmar que certos aspectos da significação das mensagens visuais não poderiam ser aludidos por uma noção forte de código (isto é, por aquela que poderia estabelecer uma relação de dependência ou de servidão entre os códigos visuais e os níveis articulatórios das línguas naturais), mas por uma componente aproximadamente estética destas mensagens.

12. Um pouco mais tarde, veremos que a posição de Eco em relação a uma semiótica do iconismo atingirá os preceitos da semiologia, numa instância algo inesperada, que é a de suas próprias assunções sobre a natureza de constituição do signo analógico, na sua relação com o objeto referencial: ora, a semiologia de Barthes se interrompe nesta questão, para estabelecer que o significado dos ícones requisita, de uma maneira ou de outra, o concurso de saberes linguisticamente organizados (seja sob a forma dos acervos simbólicos comunicáveis através de certas técnicas culturais, seja por intermédio das estratégias discursivas, próprias ao campo retórico e narrativo, e que convertem a imagem visual à ordem dos enunciados, das descrições, dos mitos e das ficções).

13. O campo de repercussões destas idéias iniciais de Eco sobre uma semiologia das mensagens visuais tem decerto um alcance que escapa aos limites da exposição sobre as origens da semiologia (devem ser tratadas, portanto, no âmbito de um outro universo de questões, que planejamos para breve). Por ora, o que nos interessa guardar desta exposição é aquilo a que nos dedicaremos, em seguida, ou seja: o fato de que, ao invés de nos restituir aos marcos de uma discriminação lingüística da significação, o problema da semiologia deve-se localizar nas conexões entre significação e interpretação. Este deverá ser o ponto de nossa próxima exposição.

Leitura recomendada:
Eco, Umberto. “O universo dos sinais” e “O universo do sentido”. In: A Estrutura Ausente.

Próximas Leituras:
Guinzburg, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, Emblemas, Sinais

Notas sobre as fichas de leitura

Queridos,

Aproveito para disponibilizar aqui breves apontamentos e comentários gerais sobre os fichamentos dos três primeiros textos que avaliei até aqui (Eco, Lotman e Kristeva). Como mencionei em sala de aula, tomei em conta apenas 7 ou 8 daqueles que me foram entregues (a totalidade dos que me foram passados em versão impressa). No decorrer das próximas levas de fichamentos, concluirei o universo da turma como um todo (como disse tb., ao fim do semestre, desejo haver comentado pelo menos 2 fichas de cada um de vcs.).

No que respeita as fichas que pude ler e comentar, encontrei2 ou 3 bons fichamentos, que certamente poderão ser úteis a seus autores. Nas gostaria de me concentrar aqui nos problemas que encontrei de concepção mesmo deste tipo de instrumento para o estudo acadêmico, e que talvez seja estranho a muitos de vcs.; é bom que se saiba, em primeiro lugar, que a produção de uma yal ficha pode ser algo muito útil na orientação das leituras para trabalhos de mais fôlego (como aqueles que vcs. certamente terão que realizar, ao fim do curso, em seus TCC's).

Pois bem, em primeiro lugar, alguns dos fichamentos não eram compostos de uma identificação catalográfica básica dos itens de leitura: isto torna algumas fichas praticamente irreconhecíveis para vcs. mesmos, quando precisarem voltar a elas, no momento de revisar os assuntos da matéria, a partir destas fichas. Segue um modelo desta identificação (para o caso do texto de U. Eco):

ECO, Umberto. "Introdução: rumo a uma lógica da cultura". In: Tratado Geral de Semiótica (trad. Antonio Dainesi). São Paulo: Perspectiva (1997): pp. 1,24.

Outra observação: alguns dos fichamentos consistiram basicamente numa citação de passagens escolhidas dos textos, disponibilizadas numa ordem certamente cronológica da argumentação; em bora um tal formato possa servir a um resumo das idéias do autor (com suas próprias palavras), tenho dúvidas sobre a eficácia deste procedimento, no que respeita a fixação das idéias dos textos. Preferiria um pouco mais de paráfrases destas idéias dos autores, um certo esforço de colocar em palavras próprias as linhas gerais da argumentação dos autores, possivelmente entremeando isto com eventuais citações dos textos (este é o modelo das fichas que eu mesmo faço de minhas leituras).

Um outro aspecto da organização textual das fichas é o aproveitamento que se faz da estrutura tópica dos textos, na construção do fichamento: no caso de Kristeva e Eco, isto pode ser de grande auxílio (já que os textos deles são plenos de seções e sub-seções, que servem como pistas de como seus argumentos são desenvolvidos, mas acho que isto porta uma armadilha para o fichamento. Quando verifiquei nas fichas que avaliei que isto foi um procedimento de construção das fichas, notei que estes fichamentos ficaram por demais colados na estrutura dos textos, discriminando cada etapa da argumentaçã. Outro problema é que há textos que não seguem esta estrutura (é o caso de Lotman), o que deixa o leitor meio que "órfão" deste recurso.

Por fim, acho que poucos ou quase nenhum dos fichamentos que avaliei trabalharam expressamente a conexão entre os textos e a temática global da unidade (o estudo dos signos e a lógica da cultura). Imagino que isto deva ser levado em conta por cada um de vcs., no modo de tratar as fichas de leitura: estes textos estão a serviço de uma série de exposições sobre temas específicos (os próximos textos, por exemplo, versam sobre as interrelações de "significação" e "comunicação"), os quais não devem ser negligenciados na leitura dos textos. De outro modo, fica pouco claro pq. é mesmo que estes textos estão sendo lidos, na sequência em que são propostos.

Última observação, apenas: a quem quiser maiores detalhes sobre a arte de compor uma ficha de leitura, recomendo ir a um pequeno livro de U.Eco, chamado Como se Faz uma Tese, que é um ótimo e bastante simples guia de como se locomover neste ambiente dos textos acadêmicos e como fazer de sua leitura algo de útil e instrumental ao desenvolvimento intelectual, no contexto do aprendizado em nível universitário.

É isto, então.

Ad,

Benjamim

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Roland Barthes falando de Mythologies

Queridos,

Como prometido ainda hoje, disponibilizo a entrevista de Roland Barthes, concedida ao rpograma "Lecture pour Tous", da televisão pública francesa, em 1957, logo após o lançamento de seu livro "Mythologies", que é o primeiro esforço premeditado de construir uma análise semiológica aplicada ao universo da cultura dos meios de comunicação contemporânea.

Roland Barthes, "Lecture pour Tous", 1957

Em seguida, alguns comentários sobre o que diz Barthes, no decorrer desta entrevista:


Ao apresentar as dificuldades de uma introdução aos temas principais da obra Mythologies, o entrevistador pergunta a seu autor, Roland Barthes, como se pode definir este trabalho;

Barthes responde, manifestando igual embaraço neste esforço de definição, dizendo tratar-se de uma coleção de materiais de análise de produtos ou mitologias da vida moderna, sendo o todo do trabalho coroado por uma certa reflexão teórica sobre o que constituiria a matéria do mito, nos dias de hoje;
O entrevistador destaca, na entrevista, o caráter deste inventário de fenômenos escolhidos por Barthes para seu trabalho de análise, destacando neles o caráter de familiaridade da experiência cultural de nossos dias (a publicidade, o catch que se vê na televisão, o abade Pierre do qual se fala nos jornais), todos eles atravessados por esta idéia de que constituem segmentos de um mito que atravessa nossa vida cotidiana;

Barthes reconhece este caráter ordinário dos objetos que analisa, os quais fazem parte de seu próprio cotidiano, como podem compor o elemento comum do imaginário de seus leitores, atribuindo a cada um deles o caráter de grandes representações coletivas, o que os coliga com o caráter mesmo do mito, no modo como este se concebeu em outras épocas, tentando recobrar agora os elementos pelos quais estas manifestações mais familiares podem ser pensadas no contexto de nossa sociedade e de nossa história mesmas;

Avançando o exame dos fenômenos analisados por Barthes, o entrevistador o questiona sobre o que faz do catch um elemento da mitologia moderna, se este decorreria do sucesso deste fenômeno junto a seu público;

Barthes concorda, destacando que ele mesmo é um freqüentador de espetáculos deste tipo, e que sempre o surpreendeu que esta forma cultural (que assume o disfarce de uma prática esportiva) se correlacionava muito intensamente com certos aspectos da comedia dell’arte: uma espécie de roteiro sobre o qual o lutador improvisa uma série de episódios (os atos da luta contra seu oponente, propriamente dito); mais importante, o fato de que estes episódios assumem uma dimensão predominantemente moral, mais que dramática ou propriamente esportiva, mimetizando certas figuras fundamentais do sentido e do resultado do combate, com suas figuras de justiça, derrota, triunfo, suplício e, sobretudo num contexto pequeno-burguês mais recente, a idéia do “pagamento” (“ele tem que pagar”, é o que gritam certos espectadores do catch, quando um vilão é derrotado no ringue);

Em seguida, o entrevistador pergunta sobre o filé com fritas, que Barthes analisa em seu livro como um dos mais notáveis signos da “francesidade”: este se lembra de haver visto um filme de espionagem francês, no qual se representa um personagem espião alemão, disfarçado em membro da resistência francesa, e que é acolhido por um camponês, que lhe oferece um bife com fritas, e que, uma vez desmascarado, ouve de seu suposto compatriota “e eu ainda lhe ofereci meu bife com fritas”, como um sinal da confiança dos mais próprios a um francês;

Quanto ao mito do abade Pierre, Barthes se interessa pela manifestação iconográfica de sua presença, como dado mais importante dos discursos e das narrativas em seu entorno: as fotografias do religioso que se divulgam aqui e ali, em contextos variados, mobilizam sistematicamente um certo conjunto de significados e de conteúdos sobre a religiosidade e sobre o franciscanismo, em particular; o cabelo, a batina, a bengala, todos estes elementos da presença visual do abade são manifestos como dados que significam àquele que subscreve sua fé a substância de uma legenda, de uma incorporação mais material do mito religioso da entrega e do sacrifício piedoso e da santidade;

Deslocando-se mais adiante para o prestígio de Einstein, Barthes reflete sobre a mitologia do sábio e da ciência: identifica na figura do cientista a junção de dois elementos de início contraditórios (o cérebro do matemático, uma racionalidade puramente mecânica, de um lado; de outro, a espiritualidade de uma fórmula algébrica, capaz de sintetizar os mistérios do mundo e do universo), numa junção tal que é manifesta na idéia do próprio Einstein de que certos aspectos de sua formulação teórica erammais obras de acidentes e acasos do que objetos de uma busca obstinada e consciente;


Ao fim do percurso, o entrevistador interroga a Barthes sobre sua afirmação de que o novo modelo da Citroën seria o correlato moderno da catedral gótica: o semiólogo retruca que o automóvel (em especia aquele que exprime uma nacionalidade em sua própria marca, como é o caso) é, de um lado, o resultado de um trabalho anônimo de todas as forças que se mobilizam para sua produção industrial, mas encontra seu sentido mais decisivo na escala massiva de seu consumo, que redunda por exprimir o tipo de valor cultural coletivo que se associa às obras e instituições da tradição de um povo, como é o caso da catedral gótica.

Noas de Aulas: a semiologia estrututral de Roland Barthes

Queridos,


Seguem abaixo as notas referentes às exposições da última semana, relativas ao programa inaugural das pesquisas semiológicas de Roland Barthes, exposto através de um percurso às idéias centrais dos primeiros capítulos de Elementos de Semiologia.


Divirtam-se,


Benjamim



Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula nº 2 – 18 e 20/04/2010
A Semiótica no contexto das disciplinas da comunicação

2.2. Mitologias, ideologia e a cultura enquanto estratégias sígnicas: a semiologia estrutural, em R. Barthes

1. Sabemos agora que a recepção dos princípios de uma teoria da significação no ultimo século se deu com muito mais força (ao menos nas ciências humanas) naquelas disciplinas em que a noção de comunicação que estava em jogo era precisamente uma que valorizava esse aspecto de integração entre a ordem da compreensão e da interpretação e a admissão de uma estruturação interna das formas textuais ou enunciativas (em termos, uma concepção da interpretação que tinha por objeto as formas estruturadas do discurso textual): do ponto de vista das disciplinas envolvidas neste processo de assimilação das ciências da linguagem, foi o campo da crítica e da teoria literárias que assimilou com mais força os instrumentais analíticos que certos ramos da linguística pareceram sistematizar, a partir do final do século XIX.

2. Isto tudo devidamente considerado, devemos ainda levar em conta que a abordagem semiológica não se constitui, entretanto, com sua força mesma, no conjunto das teorias da cultura, apenas por ser um prolongamento mais possante da análise de manifestações literárias, muito pelo contrário: se a teoria dos signos teve um valor próprio para as ciências humanas no último século, em geral, isto não decorreu apenas de seus atributos heurísticos inererentes, mas também pelo fato de que suscitou às humanidades o reconhecimento de uma ordem de fenômenos igualmente nova, e para a qual as ciências humanas haviam reservado senão uma atitude de suspeita; em termos, já vimos antes que o valor das teorias da significação não tem apenas fundamento teórico, mas sobretudo empírico.

3. Toda uma nova ordem de fenômenos característicos da cultura da modernidade passam a receber uma atenção devida, a partir de instrumentais que os valorizam como constituintes do tecido cultural e como fundadas em regras de um sistema de significações: se as relações sociais básicas, se os princípios econômicos da troca de bens, se as manifestações de uma cultura erudita, se todos estes segmentos da vida espiritual podem ser explanados pelos princípios de uma teoria dos signos (como reclamam Eco e Kristeva), ora também as manifestações mais comezinhas da experiência moderna (o cinema, a canção ligeira, as imagens do jornalismo e da publicidade, dentre tantas outras) também mereceriam a atenção de um olhar analítico, que fosse capaz de deslindar em cada uma delas sua porção de determinação por um sistema de significações, garantido que são fatos de comunicação e dados de uma cultura humana.

4. Voltemos, entretanto, ao problema anteriormente abordado das relações entre a comunicação e a significação, pois esta idéia da correlação entre uma ocorrência comunicacional e um sistema de significações que lhe é inerente, não é estranha a um autor como Roland Barthes, por exemplo: no início de seus Éléments de Sémiologie, ele faz indicações sobre a importância e alcance filosóficos que a noção de “solidariedade sistêmica” entre Língua e Fala poderia ter, numa direção distinta daquela postulada pela Lingüística Estrutural de Saussure (isto tudo remete a estas duas noções centrais da Lingüística Estrutural, e que podem ser recobradas no cap. 3 da Introdução do Cours de Linguistique Générale).

5. No caso da linguística, estas duas noções são postuladas para tratar de fenômenos exclusivamente ligados às manifestações verbais (o que poderemos explicitar com mais vagar, quando estivermos imersos nas tramas da conceituação do signo linguístico), ao passo que na semiologia barthesiana, elas permitiriam a assimilação de certos fatos que, ao menos em seu primeiro nível de apresentação, não parecem demarcados de uma origem lingüística: os ritos, a etiqueta, a sinalética, o vestuário, a gastronomia, nenhum desses fatos se constitui enquanto manifestação característica de um gênero de comunicação que pudesse ser restituído à matriz da língua; entretanto, eles estruturam-se, em última análise, sobre o mesmo tipo de princípios que caracterizam os fenômenos da linguagem articulada (segundo Barthes, mesmo estes fenômenos perpassam-se do que ele chama de uma essencial “linguisticidade”).

6. Decerto que, entre os anos 50 e 70, a inspiração do estruturalismo linguístico, de origem saussureana e jakobsoniana (e cujo fundamento remonta ao modo como estes autores firmaram a questão do princípio de diferenciação diacrítica do sentido, na base dos estudos fonológicos da linguagem), instituiu-se (primeiro no ambiente intelectual francês, depois no resto do mundo) como uma verdadeira corrente filosófica que inspirou variados campos das humanidades (entre eles, as teorias da comunicação), e firmando uma verdadeira tradição e uma certa escolástica dos discursos sobre a linguagem e a significação. Em boa medida, a razão deste sucesso está precisamente na operação que Barthes, por exemplo, propõe, quando sugere não apenas expandir o alcance das categorias linguísticas, mas sobretudo estabelecer que nenehuma análise semiológica poderá ir além do limite eminentemente linguístico de sua estruturação.

“Enfim, de um modo muito mais geral, parece cada vez mais difícil conceber um sistema de imagens ou objetos, cujos significados possam existir for a da linguagem: perceber o que significa uma substância é, fatalmente, recorrer ao recorte da lingual: sentido só existe quando denominado, e o mundo dos significados não é outro senão o da linguagem”. Barthes, R. “Introdução”. In: Elementos de Semiologia: p. 11,12.

7. Os textos de Barthes e de Kristeva aqui examinados representam, exatamente neste sentido, uma espécie de programa de expansão (com implicações por vezes imperialistas) dos ensinamentos estruturalistas, de modo a justificar sobre suas bases (e, em especial, dado o caráter mais fortemente normativo e institcional do sistema linguístico) a pertinência de um discurso sobre a significação e a linguagem articulada, em domínios extra-linguísticos: no período em que foram escritos (ambos no decorrer dos anos 60), poder-se-ia imaginar que o grau de formalização e refinamento conceitual alcançado pelas disciplinas da linguagem (em especial a fonologia) e impulsionado finalmente pelo modelo estrutural da antropologia de Levi-Strauss, tornara interditado à interrogação sobre os fenômenos da significação qualquer aspecto que não pudesse visá-los como problemas de natureza estrutural (a saber, como sediados em última instância, no sistema da lingua). Deste modo, é que os dois textos parecem enunciar os conceitos de “língua” e de “estrutura” (ambos tomados enquanto sistema de valores e de funções simbólicas abstratas) como uma espécie de “grau zero” de toda investigação semiológica.

8. Do ponto de vista das fontes teóricas deste discurso, já o vimos, Barthes não hesita em reconhecê-las, na obra de Saussure: ele elabora as relações entre sua semiologia nascente e a linguística estrutural saussureana, especialmente no transcurso das lições sobre semiologia que ministra na École Pratique de Hautes Études, nos anos de 1962/63 (e que vêm a público, primeiramente em italiano, depois em francês, num número da revista Communications, em 1964): nos Élements, ele retoma a idéia de Saussure sobre as relações entre a linguística e uma ciência geral dos signos, mas modifica, em alguma medida, os passos da argumentação saussureana; mas segundo Barthes, os sistemas de signos que constituiriam o objeto da semiologia, não se localizariam num âmbito mais abrangente do que aquele abordado pela própria linguística.

9. No espírito desta apreensão das lições da linguística estrutural, Barthes identifica o ponto de partida que servirá para a sustentação das investigações semiológicas: elas deverão apreender que as catgorias linguísticas (em primeiro lugar, as noções de “lingua” e “fala”) possuem um escopo de aplicação que não pode ser delimitado pela natureza específica dos fenômenos linguísticos (estes últimos fornecem à investigação apenas um modelo para a apreensão da significação, que pode entretanto compreender uma ordem de fenômenos empiricamente mais vasta). Uma vez que todo fenômeno significativo transpassa-se de linguisticidade, decorre então que os sistemas de significação não-linguísticos devem ser inquiridos nos marcos das distinções categoriais entre língua e fala. Barthes principia esta exploração lidando com determinados códigos extra-linguísticos:

·       vestuário (pg.28,29);
·       a comida (pg. 30);
·       o automóvel (pg. 30,31);
·       o sistema dos mídia (pg. 31,32).

10. Do mesmo modo, nos Éléments de Sémiologie, a questão da pertinência destes saberes sobre a ordem do sentido também se manifestam numa tal amplitude de seu alcance, que pode parecer a algum desavisado que a gênese desta disciplina ou da atividade semiológica estaria enraizada numa temporalidade de tal modo genérica e abstrata que pode parecer que este tipo de saber acerca dos processos culturais e de seus fundamentos de sentido teria sido pensado sem qualquer referência às inquietações mais coevas ao momento mesmo em que Barthes vivenciava sua “bebedeira metodológica”, entre os anos 50 e 60 do século passado. As coisas, entretanto, não se passaram exatamente assim.

11. Em primeiro lugar, a exposição das idéias semiológicas de Barthes feitas antes contemplou decerto suas inquietações mesmas sobre o modo como a noção de ideologia é muitas vezes tomada como um parti-pris das teorias sociais, sem qualquer respeito à necessidade de se pensar no modo como se manifesta um sistema de idéias e, sobretudo, como se instaura a predominância com a qual ele se reproduz e se sedimenta com dominância sua reprodução enquanto dado de uma cultura e de uma história específicas. Em termos, ao manifestar pela primeira vez suas idéias acerca da oportunidade ou mesmo da urgencia de um saber semiológico, Barthes as reporta a um certo estado-limite dos saberes sociológicos, com respeito a um fenômeno como o da reprodução dos valores ideológicos.

12. A bem da verdade, este movimento pode-se perceber repercutido no modo como Barthes caracteriza o universo discursivo das comunicações de massa, quando examina alguns de seus aspectos mais estruturais (em especial, o modo como deixam-se assimilar ao poder explanatório do par conceitual “Língua/fala”), nos Éléments: neste plano, cumpre papel especial a atenção que Barthes reserva, na análise de muitos dos fenômenos neste universo semiológico, a um hipotético sistema discursivo das conotações, como característica estrutural mais saliente de campo como o da imprensa e o da propaganda; o fato de que nestes domínios culturais haja o concurso de uma série variadíssima de substancias significantes (ou pré-significantes), como as imagens, os sons extra-linguisticos, os grafismos, tudo isto desafia o olhar semiológico a firmar para cada um desses segmentos das operações de sentido nos media o status correpsondente de um sistema puramente abstrato que lhes seja transcendente.

13. Especialmente no caso da imprensa, Barthes reconhece que a operação com o nível linguístico da significação não deveria ser analisada, na perpsectiva do estrito revezamento entre a particularidade da fala e a normatividade da língua, pois o fenômeno semiológico que entra em jogo, nas operações discursivas do jornal envolve um jogo mais complexo com respeito à institucionalidade linguística. É aqui precisamente que se coligarão as questões de uma sociologia das comunicações de massa (em orientação semiológica) e os fundamentos da crítica do discurso ideológico, proposto um pouco antes, em Mitologias: este problema mais central às questões de método de Barthes é o status semiológico a ser atribuído à ordem das conotações.

“Quanto à imprensa, que podemos considerar, razoavelmente, como um sistema de significação autônoma, aind que nos limitemos a seus elementos escritos, ignoramus quase tudo de um fenomeno linguístico que parece ter nela um papel capital: a conotação, vale dizer, o desenvolvimento de um sistema de sentido segundo, parasita, se se pode assim dizer, da lingual propriamente dita; este sistema segundo é também uma ‘língua’ em relação à qual se desenvolvem fatos de fala, idioletos e estruturas duplas”. Barthes, R. “Língua/fala”: p. 32.

14. Em boa medida, pode-se dizer que a ordem semiológica das conotações fornece a estrutura mediante a qual Barthes pode falar do sistema das comunicações de massa, ao menos naquilo em que este requisita uma abordagem semiológica de interpretação de suas estruturas mais abstratas de sentido: não casualmente, é o tema da conotação que conduz a especulação de Barthes sobre um nível mais “espectral” da significação fotográfica, em dois de seus mais célebres textos matriciais de uma semiologia da imagem, em “La message photographique” (de 1961) e “La rhétorique de l’image” (de 1964). Mas, do mesmo modo que na primeira parte de suas Mythologies, a questão da conotação tem valor mais heurístico do que propriamente teórico. Por isto mesmo, devemos voltar à segunda parte das Mitologias, para examinar de que mesmo é que se trata a conotação e como ela pode se constituir num operador da análise e do deslindamento das estratégias de discurso próprias ao universo mediatico.

15.  Em primeiro lugar, Barthes assinala, desde o título desta seção, que “o mito é uma fala”: com isto, ele quer destacar que (ao menos do ponto de vista de uma semiologia), as realizações míticas não são originárias dos objetos aos quais a associamos (as imagens, as instituições, os personagens, as situações ou cenas, as narrativas), mas do quanto se possa assumir que estes objetos manifestam-se em nossa cultura como “mensagens”, como elementos de uma comunicação, própria ao mito, e que pode muitas vezes nos fazer confundir sua estrutura com sua substância manifesta. Se é próprio do mito oferecer-se em estado de objeto, é tarefa do analista deslindar-lhe o sistema cultural que lhe é subjacente. O mito é um dado de comunicabilidade e de estratégia de aparição, dramatico por excelência e ansioso por ser tomado na sua condição natural.

16. Em segundo lugar (e este é o ponto mais importante deste excurso, pois destaca uma questão de método nesta nascente semiologia), o mito é uma operação de deslocamento: dada qualquer material significante de que se possa beneficiar, o vies mítico se instaura por sobre o sentido instituído (pela lingual, pela história, pelos costumes) e constitui-se como operação de conotação deste mesmo sentido. Segundo Barthes, a fala mítica é parte de um sistema que se instala necessariamente por sobre o sistema da língua, para infundir em seus signos o sentido que é próprio à sua particular operação: não há como restituir este fundamento a um sistema (uma língua conotativa), mas apenas a estas operações mais singulares da apropriação dos signos em sua origem sistemática (por isto mesmo é que ele “é uma fala”).

17. O sistema dos media, assim sendo, se manifesta como instância régia de uma operação permanente e necessária de sutis deslocamentos do discurso, no que respeita esta relação fundamental da referência sígnica: na imprensa e na publicidade, o dizer é sempre parametrado pelas disjunções próprias desta conotação, o que se pode exibir em vários dos casos da análise semiológica barthesiana. Nestes termos, as manifestações do espetáculos das comunicações de massa são assumidas, aqui, como uma espécie de sucedâneo (de substituto mais recente e visível) dos valores pequeno-burgueses, que tanto repugnavam a Balzac, no século XIX, e a Sartre, no último século: são, em suma, o universo de reprodução de um mundo cultural que pretende se universalizar e se estabelecer como princípio natural das coisas (e ao qual o comentário cultural procura fazer uma mais forte resistência.

Referências Bibliográficas:
Barthes, Roland. “Introdução” e “Língua e fala”. In: Elementos de Semiologia

Próximas Leituras:
Eco, Umberto. “O universo do sentido”. In: A Estrutura Ausente.

sábado, 16 de abril de 2011

AVISO - ENTREGA DOS FICHAMENTOS

Queridos,


Escrevo apenas para lembrá-los de não se esquecerem de me trazer os fichamentos dos três primeiros textos do curso (Eco, Kristeva e Lotman), até quarta-feira. Aqueles que quiserem trazer as fichas na segunda-feira, podem fazê-lo, sem problema.


Ad,


Benjamim

Notas de Aula: comunicação e sentido, em sentido lato e estrito

Queridos,


Seguem abaixo as notas referentes às duas últimas aulas, em que procurei introduzir o assunto da segunda unidade, sobre as relações entre o estudo das significações e o campo da comunicação.


Divirtam-se,


Benjamim



Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula nº2 – 11 e 13/04/2011
A Semiótica no contexto das disciplinas da comunicação

2.1.  Da comunicação e do sentido, em sentido lato e estrito
1. Já vimos até aqui a importância que a atenção conferida aos sistemas de significação assume para a abordagem de fenômenos atribuídos ao campo cultural, no modo como Umberto Eco e Julia Kristeva abordam (nos modos que lhe são próprios) os limites naturais de uma teoria semiótica: entretanto, especialmente no caso de Eco, a dimensão comunicacional dos fenômenos culturais é concebida numa latitude um pouco mais extensa, para incorporar fatos que não seriam usualmente identificados com o universo da comunicação.
2. Grosso modo, quando consideramos a dimensão comunicacional de fenômenos como a transmissão parental, a troca econômica de bens ou o uso instrumental de objetos da natureza, não assimilamos necessariamente o que é do quinhão da comunicação nesses processos ao universo da expressão e compreensão de mensagens: em cada um desses casos predomina, ao invés, a noção de que trata-se de ocorrências de um costume humano, cujo fundamento é a existência de sistemas de regras que poderiam ser, por sua vez, sistemas de signos e que estão na base de qualquer coisa que assumamos enquanto dado cultural.

3. O valor heurístico da semiótica não está, nesses casos, associado ao fato de que, sendo fenômenos de comunicação, devam ser, por exemplo, assimilados a enunciados mas, ao invés disto, que por se constituírem em fatos de cultura, têm seu sentido mesmo determinado por uma regra ou por um sistema de fundamento necessariamente coletivo. Antes de explorarmos determinadas alternativas desse tipo de concepção sobre os processos e fenômenos comuicacionais que nos são mais familiars, proponho que nos entretamos nesta pequena “aventura semiótica”, que nos foi certa vez proposta por um eminente pensador bolonhês:

“Mas por agora, o que nos interessava ressaltar era como um indivíduo normal, posto diante de um problema tão espontâneo e natural como uma comum ‘dor de barriga’, é constrangido a entrar imediatamente numa apertada rede de sistemas de signos: alguns ligados à possibilidade de efetuar operações práticas, outros mais diretamente envolvidos com atitudes que diremos ‘ideológicas’. Todos, de algum modo, fundamentais em relação aos fins da interação social, e a ponto de nos perguntarmos se os signos permitem ao Sr. Sigma viver em sociedade ou se a sociedade na qual Sigma vive e se constitui como ser humano não é mais do que um complexo Sistema dos sistemas de signos.” In: Eco, U. “Premissa”, in: O Signo, de Umberto Eco

4. Quando examinamos com atenção aquelas etapas do processo pelo qual o Sr. Sigma, de Umberto Eco, dá-se conta de um mal-estar físico e busca localizar um médico para com ele consultar-se, enfrentando em cada segmento deste percurso os obstáculos de um mundo que se revela ao sujeito na condição de algo que deve ser cogitado, interpretado e, em última instância, decifrado resolutamente, de tudo isto podemos inferir (com os devidos riscos de incorrermos no temido “imperialismo teórico” lembrado pelo próprio Eco) que a comunicação é uma espécie de tecido constitutivo de nossa existência, enquanto seres culturais.

5. No texto de Ugo Volli, que serve de condutor a esta exposição, propõe-se igualmente algo como a impossibilidade da incomunicação: diante de tudo aquilo que se manifesta com sentido, não há como ignorarmos a essencial comunicabilidade do mundo, quando ele passa pelo filtro de nossa experiência. Há que se notar, em primeiro lugar que a comunicação, assim entendida, é um efeito de superfície de um fenômeno mais grave e importante: não é que o mundo se comunique a nós, por sua própria graça ou força, mas o fato de que esta transparência do mundo é o resultado de algo a que podemos chamar de sentido ou significação, que lhe seriam inerentes Enfim, é porque há sentido que as coisas comunicam (mesmo aquelas que estão na natureza, mesmo aquelas que são inertes e até mesmo as que sequer existem).

6. Ora, nestes termos, podemos desde já estabelecer que, ao menos de um ponto de vista mais remoto, as teorias semióticas trabalham o conceito de comunicação a partir de sua assimilação a uma “ordem do sentido”: a impossibilidade de não comunicar implica a necessidade do sentido. O que nos exige uma melhor definição do que quer dizer esta subscrição do comunicável ao sensato ou ao significativo: pois subscrever pura e simplesmente a comunicação ao sentido pode ter o efeito contrario do desejado (esvaziar precisamente o conceito de comunicação e não nos permitir esclarecer em que sentido a semiótica tem alguma relação com os fenômenos e processos de nosso campo).

7. Há vários aspectos daquilo que faz o sentido das coisas acarretar o sentido comunicacional com que elas nos aparecem: no texto de Volli, um destes caracteres se define no âmbito das relações que estabelecemos para as coisas, quando elas se manifestam para nossa compreensão (o sinal luminoso que indica a conduta que eu devo assumir; o cheiro familiar que dispara no espírito o movimento da distensão temporal da recordação; os sons musicais que suscitam uma elevação estética não-ordinária de nossa escuta). As manifestações do sentido têm uma dimensão comunicacional, em primeiro lugar, por infundirem na mente daquele que se confronta com elas as relações que são o fundamento de sua significação (se fazem sentido, é porque são signos, portanto, coisas que estão para coisas, aliquid pro aliquo).

“Aquela forma vermelha ali, por exemplo, é um carro; move-se em determinada direção, está para dobrar a esquerda, no entanto, situa-se na parte central do trânsito. Uma luz amarelada lampejante indica a intenção do motorista (que está lá, presumo, ainda que não o vislumbre) de dobrar à esquerda. Aqui, porem, este ruído é o tocar do telefone, que sei usar de maneira não só técnica,mas também interpessoal (de dia, de noite, com pessoas conhecidas e não casualmente, para dizer alguma coisa e não para cantar, etc.). De acordo com o momento, seu tocar me dá alegria, angústia, surpresa, tédio (…). Aquela pessoa tem o sorriso cansado, é jovem, tem jeito de estudante, pela sua attitude, sei que quer falar comigo. Vejo uma fumaça lá longe e compreendo que deve haver um incêndio em algum lugar”. In: Volli, Ugo. “Comunicação”, p. 17.

8. E isto não é tudo: pois se a relação entre ter sentido e comunicar se resolvesse no caráter eminentemente relacional da significação, estaríamos falando de um sentido muito pobre de comunicação (a rigor, como já destacamos acima, este seria apenas um sentido primário de comunicação). Nestes termos, o fato de que compreendemos o mundo combinando seus segmentos mediante variados critérios de sua correlação possível (por semelhança ou por sua falta, por contigüidade ou por enumeração, dentre tantos outros) responde apenas ao princípio pelo qual podemos determinar a estrutura do próprio sentido, que é da ordem da relação significativa. A comunicação, em seu sentido mais importante (geral e específico), permanece fora do alcance desta interrogação.

9. Como fazer para que o conceito de comunicação finalmente se manifeste como a consequência de uma concepção semiótica sobre a tessitura do sentido? Neste caso, precisamos nos interrogar sobre as condições em que o mundo se manifesta significativamente ou sensatamente para alguém: é evidente que (ao menos numa perspectiva mais radicalmente fenomenológica), a emergência do sentido parece vir associada a uma radical negatividade, com respeito a tudo aquilo que é da ordem do instituído, do convencional, do culturalizado; é neste contexto que se fala tão frequentemente no fenômeno do sentido como associado a uma “abertura diferencial”, que caracterizaria os modos de significação de inteiras regiões da expressão poética e artística, por exemplo. O modo de endereçamento próprio ao discurso da arte não deve supor, a não ser sob condições muito específicas, a concorrência de uma regra da interpretação, como chave condutora do sentido mesmo das obras.

Martin Heidegger, “A linguagem da comunicação e a linguagem poética” (1953)

10. No texto de Volli, esta necessidade de conferir um lugar específico da comunicação, numa abordagem semiótica de suas manifestações, parece instaurar um limite intransponível entre os regimes de nossa compreensão do mundo (grosso modo, o fato de atribuímos sentido às coisas a partir do instante mesmo em que as percebemos) e as estruturas que mobilizamos para exprimir esta mesma compreensão (que constituiria o lugar próprio da comunicação, por assim dizer): uma tal concepção do que é próprio à comunicação acaba por abordar o problema de modo parcial, mais uma vez; nesta perspectiva, os fenômenos comunicacionais são abordados em seu aspecto mais ativo de manifestação, o que permite isolar a “autêntica” comunicação daquela que caracteriza a estrutura conceitual de nosso contato sensorial com o mundo. Mas, aqui, mais uma vez, sacrificamos o fenômeno da comunicação, em nome de sua suposta “pureza” ontológica.

11. Em termos, a questão sobre a abordagem semiótica da comunicação não deve identificar-se com aquilo que é próprio à sua dimensão mais expressiva, mas também explorar o que esta face ativa de nossa compreensão (o fato de que falamos sobre e a partir daquilo que faz sentido para nós) tem em comum com o fato de que, mesmo emudecidos, continuamos a existir dentro desta mesma legislação da significação: o que há de comum, enfim, entre simplesmente perceber as coisas “como são”, de um lado, e falar destes dados existenciais através das formas do discurso, de outro? Que continuidade pode-se conceber entre sentir-se mal e descrever tal estado a alguém, em alguns de seus aspectos? O que há, enfim, de filosoficamente interessante em pensarmos sobre o fato de que uma obra de arte quer dizer alguma coisa, muito embora sua significação possa não se exprimir numa forma absolutamente convencional?

12. Em todas estas questões, podemos entrever que há um sentido genericamente comunicacional que habita a ordem do sentido, mesmo quando não empregamos o discurso e a expressão para dele darmos conta. De maneira simples, podemos supor que isto se dá porque a comunicação de que podemos falar teoricamente (numa perspectiva semiótica, ao menos) é antecedente, por exemplo, ao advento da linguagem natural na qual empregamos muitas destas expressões. Numa abordagem mais genérica do conceito de comunicação que é privilegiada pelas teorias semióticas, pode-se dizer que exprime-se também um sentido mais radical e fundamental do conceito.

13. A comunicação seria a condição dc possibilidade pela qual a mais privativa das experiências não se deixa enclausurar numa absoluta interioridade psicológica e individual, uma vez que é investida de sentido, por aquele que concretamente a vivencia: uma sensação, uma emoção, uma paixão, são necessariamente vivenciadas no horizonte de uma compreensão outra e é aqui que se manifesta aquilo que, para tantos quantos escrevem sobre estes fenômenos, caracteriza a indissociabilidade entre significação e comunicação.

Referências Bibliográficas:
ECO, Umberto. “Premissa”. In: O Signo;
VOLLI, Ugo. “Comunicação”. In: Manual de Semiótica.

Próximas leituras:
BARTHES, Roland. “Introdução” e “Língua/fala”. In: Elementos de Semiologia;
BARTHES, Roland. “O Mito, hoje”. In: Mitologias.