quarta-feira, 27 de abril de 2011

Notas de aula: o "universo do sentido" e os dogmas linguísticos da semiologia, segundo U.Eco

Queridos,

Como prometido, seguem abaixo as notas de minhas exposições desta semana sobre as críticas de Umberto Eco ao estruturalismo semiológico e sua formulação inicial de um programa das pesquisas semiológicas, a partir de A Estrutura Ausente.

Ainda hoje, seguirão as questões da avaliação parcial, com instruções e data para entrega das respostas.

Divirtam-se,

Benjamim

Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula nº 2 – 25 e 27/04/2011 
A Semiótica no contexto das disciplinas da comunicação 

2.3. A comunicação, entre o universo dos sinais e o universo do sentido: o programa da pesquisa semiótica, em Umberto Eco.

1. O percurso que conduz Umberto Eco a sua formulação mais própria de um programa de pesquisas semióticas se caracteriza, em primeira instância, por um aspecto de digressão temática que se assemelha, em parte, àquele que havia conduzido Roland Barthes ao encontro da semiologia. Mas, enquanto o caso deste parecia mais afeito às descobertas teóricas feitas por um critico literário, desdobrando-se em questõesde ordem metdológica sobre os novos modos de aproximação a objetos do campo cultural, a transformação havida em Eco tinha um caráter mais epistemológico, por assim dizer. Tentemos expor as linhas gerais desta diferença.

2. Uma diferença essencial, no caso de Eco, é que o encontro com as teorias da significação afeta em cheio um determinado conjunto de problemas com os quais ele mesmo já vinha se defrontado, nas fases iniciais de sua interrogação (aquela a que certos autores se rferem como sendo seu “Período pré-semiótico”): com isso, queremos dizer que, muito embora haja esse dado de um entusiasmo comum de ambos com as sugestões de aporte metodológico implicadas na introdução de um saber semiológico (manifestas por expressões como da “embriaguez” ou da “virada” em direção aos signos, em cada um dos casos), os problemas teóricos dos quais se origina cada um desses movimentos não poderiam ser mais diferentes entre si.

3. Pois enquanto Barthes se defronta com um novo programa de pesquisas, no transcurso de seu exercício continuado de uma estilística da crítica cultural, Eco chega à semiótica através de um caminho mais caracteristicamente “acadêmico”: o ponto de partida do pensador italiano se manifesta mais claramente em uma de suas primeiras obras mais conhecidas, na qual ele aborda o problema das estratégias do discurso poético da modernidade (a questão dos programas de abertura do sentido das obras de uma certa época, que ainda seria a nossa), e que inaugura uma forma de abordagem das estratégias textuais, em geral, e que as permita compreender, antes de tudo, como sistemas de significação.

4. Mas ainda entre estes dois movimentos (o da pergunta sobre uma poética da “obra aberta” e a proposição de um método semiológico, como matriz de uma crítica dos fenômenos da cultura mediática), há ainda um outro aspecto desta “virada semiótica” de Umberto Eco, sendo precisamente este aspecto que nos permite coligar (sob o signo de um relativo antagonismo), suas abordagens e aquelas que caracterizam o viés barthesiano da semiologia estrutural. É sob este ponto da empreitada semiológica de Eco que devemos começar a apresentar seu viés mais próprio de pensamento sobre as tarefas de uma teoria da significação no contexto das comunicações de massa.

5. No início daquela que é reconhecida como sua fase mais expressamente semiótica (que se cristaliza em sua primeira grande obra sobre o tópica, A Estrutura Ausente, de 1968), o programa de pesquisas que ele avança coloca em cheque, de saída, o modo com se poderia abordar a herança da lingüística estrutural, no momento mesmo em que postulava uma teoria geral da significação: pois, à época de Barthes e Eco, a idéia mesma de uma semiologia parecia trazer de arrasto, como dado de pressuposto de qualquer proposição sobre sistemas de significação, esta espécie de transcendência do lingüístico, como modelo de toda ordem do sentido; ora, no caso de Eco, esta relação é posta sob exame necessariamente crítico, já que ele questiona (desde o início mesmo de suas primeiras formulações sobre a possibilidade mesmo de uma pesquisa semiológica) a necessária vinculação de seus objetos de estudos ao patamar através dos quais a lingüística firmou as estruturas mínimas do sentido.

6. Em sua primeira grande obra propriamente devotada às questões de método de uma pesquisa semiológica (La Struttura Assente, de 1968), Eco assume, em primeiro lugar, as tarefas deste programa de pesquisas, nos mesmos termos em que formulará, sete anos mais tarde, a questão da lógica dos processos culturais, no Tratatto de Semiótica Generale, ou seja: estudar os fenômenos culturais na condição em que os mesmo são tomados como fenômenos de comunicação. Isto dado, o que afasta a posição de Eco do restante do estruturalismo diz respeito à assimilação quase automática dos sistemas de significação subjacentes à comunicação como necessariamente materializados na forma que as teorias lingüísticas o caracterizaram (ao menos, a partir de Saussure). 
“A psicologia estuda a percepção como fato de comunicação, a Genética ocupa-se com a transmissão em código dos caracteres hereditários, a Neurofissiologia explica os fenômenos sensórios como passagens de sinais de terminações nervosas periféricas à zona cortical; e essas disciplinas valem-se dos instrumentos fornecidos pela teoria matemática da informação, que nasceu para explicar fenômenos de transmissão de sinais no campo das máquinas, mas baseou-se em princípios comuns às outras disciplinas, físico-matemáticas (...). Nesse ínterim, os modelos comunicacionais passavam a ser aplicados também aos fatos sociais, ao mesmo tempo em que se verificava um encontro dos mais frutíferos entre a Lingüística Estrutural e a Teoria da Informação: daí a aplicação de modelos estruturais e informacionais ao estudo das culturais humanas, das relações de parentesco, da cozinha, da moda, dos getsos, da organização do espaço, daí por diante.”. Eco, “O universo dos sinais”: p. 3,4.
7. Neste livro fundamental, Eco retoma o modelo mais elementar da comunicação disponível até então (aquele frequentemente associado às teorias matemáticas da informação), para dele extrair o valor próprio do conceito de código, assumindo-o doravante como um “sistema de signos”: mediante esta operação de homologia conceitual, Eco pretende estabelecer que aquilo que a incidência de um código, definido como uma instância necessária dos processos comunicacionais mais elementares (em especial quando estes envolvem o condicionamento probabilístico da conduta como critério de resposta operacional, como num sistema fechado), na qual a faculdade de reação é determinada pela nível probabilístico (portanto, matematicamente previsível) da capacidade de interpretação dos sinais oferecidos pelo meio-ambiente, poder-se-ia imaginar que este termo recobriria, em princípio, a mesma ordem de problemas que a noção de “sistema de signos” permitiu descrever, para o caso da língua. Nestes termos, é que Eco propõe, de início, assimilar o conceito de código ao de estrutura. 
“Ao lembrarmos a forma como Saussure distingue oportunamente a langue, como o depósito de regras no qual se baseia o falante, da parole, como o ato individual  através do qual o falante usa a langue e se comunica com seus semelhantes, termos encontrado o par código-mensagem; e, à semelhança do par código-mensagem, também o par langue-parole define a oposição entre um sistema teórico (a langue não existe fisicamente, é uma abstração, um modelo criado pelo lingüista) e um fenômeno concreto (a minha mensagem de agora, a sua mensagem de resposta, e assim por diante)”. Eco, “O universo do sentido”: pp. 29,30.
8. A este propósito, entretanto, a noção de sistema de signos que Eco apreende, como fundamento de um programa de pesquisas semiológico não implica, como é o caso de Barthes, na assimilação da presumida generalidade com a qual o conceito de língua poderia ser empregada, uma vez aplicada ao universo das manifestações extra-linguísticas: ao contrário do quadro dedutivo da semiologia barthesiana, Eco prefere examinar com mais paciência a possibilidade mesma de adotar o esquema e as propriedades sistemáticas da língua, a partir de considerações sobre determinados universos empíricos de observação. Em seu caso, um dos corpora privilegiados por ele (e explorado mais extensamente, no decorrer de sua obra semiótica) é o do universo das mensagens visuais, com especial atenção aos regimes comunicacionais em que ela é encontrada, no contexto mediático (por isto mesmo é que notamos que suas observações recaem sempre em campos como os da retórica publicitária ou do emprego narrativo das imagens, como no caso do cinema).

9. Se considerarmos um especial segmento do universo dos fenômenos semiológicos, em particular (a saber, o das mensagens visuais), veremos que a possibilidade mesma de fundamentar as abordagens próprias a uma teoria da significação implicará, segundo Eco, num descarte de ao menos uma das assunções fundamentais da semiologia barthesiana, ambas oriundas da influência do estruturalismo sobre o programa das pesquisas semiológicas: é neste ponto que o vemos identificar certos aspectos da relação entre semiologia e lingüística como partes de um dogma que se propaga indesejavelmente nos fundamentos mesmos da arquitetura dos saberes sobre signos e interpretação.

10. Assim sendo, Eco reconhece que determinados limites devem se interpor à marcação heurística que os instrumentais da lingüística estrutural propiciaram à pesquisa semiológica, uma vez reconhecida a abrangência empírica do universo das mensagens visuais (envolvendo, dentre outras, a linguagem da arquitetura e a da pintura, a retórica publicitária e os símbolos heráldicos, o cinema e a gestualidade): a tão reclamada unidade da empresa semiológica deveria então decorrer do grau com o qual o campo destas investigações pudesse assumir que nem todos os fenômenos comunicacionais poderiam implicar uma estrita redutibilidade de suas ocorrências aos caracteres definidores da língua (ao menos no sentido definido pela lingüística estrutural, a partir de Saussure).

11. Ao menos de início, Eco parece querer firmar que certos aspectos da significação das mensagens visuais não poderiam ser aludidos por uma noção forte de código (isto é, por aquela que poderia estabelecer uma relação de dependência ou de servidão entre os códigos visuais e os níveis articulatórios das línguas naturais), mas por uma componente aproximadamente estética destas mensagens.

12. Um pouco mais tarde, veremos que a posição de Eco em relação a uma semiótica do iconismo atingirá os preceitos da semiologia, numa instância algo inesperada, que é a de suas próprias assunções sobre a natureza de constituição do signo analógico, na sua relação com o objeto referencial: ora, a semiologia de Barthes se interrompe nesta questão, para estabelecer que o significado dos ícones requisita, de uma maneira ou de outra, o concurso de saberes linguisticamente organizados (seja sob a forma dos acervos simbólicos comunicáveis através de certas técnicas culturais, seja por intermédio das estratégias discursivas, próprias ao campo retórico e narrativo, e que convertem a imagem visual à ordem dos enunciados, das descrições, dos mitos e das ficções).

13. O campo de repercussões destas idéias iniciais de Eco sobre uma semiologia das mensagens visuais tem decerto um alcance que escapa aos limites da exposição sobre as origens da semiologia (devem ser tratadas, portanto, no âmbito de um outro universo de questões, que planejamos para breve). Por ora, o que nos interessa guardar desta exposição é aquilo a que nos dedicaremos, em seguida, ou seja: o fato de que, ao invés de nos restituir aos marcos de uma discriminação lingüística da significação, o problema da semiologia deve-se localizar nas conexões entre significação e interpretação. Este deverá ser o ponto de nossa próxima exposição.

Leitura recomendada:
Eco, Umberto. “O universo dos sinais” e “O universo do sentido”. In: A Estrutura Ausente.

Próximas Leituras:
Guinzburg, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, Emblemas, Sinais

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