segunda-feira, 25 de abril de 2011

Roland Barthes falando de Mythologies

Queridos,

Como prometido ainda hoje, disponibilizo a entrevista de Roland Barthes, concedida ao rpograma "Lecture pour Tous", da televisão pública francesa, em 1957, logo após o lançamento de seu livro "Mythologies", que é o primeiro esforço premeditado de construir uma análise semiológica aplicada ao universo da cultura dos meios de comunicação contemporânea.

Roland Barthes, "Lecture pour Tous", 1957

Em seguida, alguns comentários sobre o que diz Barthes, no decorrer desta entrevista:


Ao apresentar as dificuldades de uma introdução aos temas principais da obra Mythologies, o entrevistador pergunta a seu autor, Roland Barthes, como se pode definir este trabalho;

Barthes responde, manifestando igual embaraço neste esforço de definição, dizendo tratar-se de uma coleção de materiais de análise de produtos ou mitologias da vida moderna, sendo o todo do trabalho coroado por uma certa reflexão teórica sobre o que constituiria a matéria do mito, nos dias de hoje;
O entrevistador destaca, na entrevista, o caráter deste inventário de fenômenos escolhidos por Barthes para seu trabalho de análise, destacando neles o caráter de familiaridade da experiência cultural de nossos dias (a publicidade, o catch que se vê na televisão, o abade Pierre do qual se fala nos jornais), todos eles atravessados por esta idéia de que constituem segmentos de um mito que atravessa nossa vida cotidiana;

Barthes reconhece este caráter ordinário dos objetos que analisa, os quais fazem parte de seu próprio cotidiano, como podem compor o elemento comum do imaginário de seus leitores, atribuindo a cada um deles o caráter de grandes representações coletivas, o que os coliga com o caráter mesmo do mito, no modo como este se concebeu em outras épocas, tentando recobrar agora os elementos pelos quais estas manifestações mais familiares podem ser pensadas no contexto de nossa sociedade e de nossa história mesmas;

Avançando o exame dos fenômenos analisados por Barthes, o entrevistador o questiona sobre o que faz do catch um elemento da mitologia moderna, se este decorreria do sucesso deste fenômeno junto a seu público;

Barthes concorda, destacando que ele mesmo é um freqüentador de espetáculos deste tipo, e que sempre o surpreendeu que esta forma cultural (que assume o disfarce de uma prática esportiva) se correlacionava muito intensamente com certos aspectos da comedia dell’arte: uma espécie de roteiro sobre o qual o lutador improvisa uma série de episódios (os atos da luta contra seu oponente, propriamente dito); mais importante, o fato de que estes episódios assumem uma dimensão predominantemente moral, mais que dramática ou propriamente esportiva, mimetizando certas figuras fundamentais do sentido e do resultado do combate, com suas figuras de justiça, derrota, triunfo, suplício e, sobretudo num contexto pequeno-burguês mais recente, a idéia do “pagamento” (“ele tem que pagar”, é o que gritam certos espectadores do catch, quando um vilão é derrotado no ringue);

Em seguida, o entrevistador pergunta sobre o filé com fritas, que Barthes analisa em seu livro como um dos mais notáveis signos da “francesidade”: este se lembra de haver visto um filme de espionagem francês, no qual se representa um personagem espião alemão, disfarçado em membro da resistência francesa, e que é acolhido por um camponês, que lhe oferece um bife com fritas, e que, uma vez desmascarado, ouve de seu suposto compatriota “e eu ainda lhe ofereci meu bife com fritas”, como um sinal da confiança dos mais próprios a um francês;

Quanto ao mito do abade Pierre, Barthes se interessa pela manifestação iconográfica de sua presença, como dado mais importante dos discursos e das narrativas em seu entorno: as fotografias do religioso que se divulgam aqui e ali, em contextos variados, mobilizam sistematicamente um certo conjunto de significados e de conteúdos sobre a religiosidade e sobre o franciscanismo, em particular; o cabelo, a batina, a bengala, todos estes elementos da presença visual do abade são manifestos como dados que significam àquele que subscreve sua fé a substância de uma legenda, de uma incorporação mais material do mito religioso da entrega e do sacrifício piedoso e da santidade;

Deslocando-se mais adiante para o prestígio de Einstein, Barthes reflete sobre a mitologia do sábio e da ciência: identifica na figura do cientista a junção de dois elementos de início contraditórios (o cérebro do matemático, uma racionalidade puramente mecânica, de um lado; de outro, a espiritualidade de uma fórmula algébrica, capaz de sintetizar os mistérios do mundo e do universo), numa junção tal que é manifesta na idéia do próprio Einstein de que certos aspectos de sua formulação teórica erammais obras de acidentes e acasos do que objetos de uma busca obstinada e consciente;


Ao fim do percurso, o entrevistador interroga a Barthes sobre sua afirmação de que o novo modelo da Citroën seria o correlato moderno da catedral gótica: o semiólogo retruca que o automóvel (em especia aquele que exprime uma nacionalidade em sua própria marca, como é o caso) é, de um lado, o resultado de um trabalho anônimo de todas as forças que se mobilizam para sua produção industrial, mas encontra seu sentido mais decisivo na escala massiva de seu consumo, que redunda por exprimir o tipo de valor cultural coletivo que se associa às obras e instituições da tradição de um povo, como é o caso da catedral gótica.

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