segunda-feira, 25 de abril de 2011

Noas de Aulas: a semiologia estrututral de Roland Barthes

Queridos,


Seguem abaixo as notas referentes às exposições da última semana, relativas ao programa inaugural das pesquisas semiológicas de Roland Barthes, exposto através de um percurso às idéias centrais dos primeiros capítulos de Elementos de Semiologia.


Divirtam-se,


Benjamim



Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula nº 2 – 18 e 20/04/2010
A Semiótica no contexto das disciplinas da comunicação

2.2. Mitologias, ideologia e a cultura enquanto estratégias sígnicas: a semiologia estrutural, em R. Barthes

1. Sabemos agora que a recepção dos princípios de uma teoria da significação no ultimo século se deu com muito mais força (ao menos nas ciências humanas) naquelas disciplinas em que a noção de comunicação que estava em jogo era precisamente uma que valorizava esse aspecto de integração entre a ordem da compreensão e da interpretação e a admissão de uma estruturação interna das formas textuais ou enunciativas (em termos, uma concepção da interpretação que tinha por objeto as formas estruturadas do discurso textual): do ponto de vista das disciplinas envolvidas neste processo de assimilação das ciências da linguagem, foi o campo da crítica e da teoria literárias que assimilou com mais força os instrumentais analíticos que certos ramos da linguística pareceram sistematizar, a partir do final do século XIX.

2. Isto tudo devidamente considerado, devemos ainda levar em conta que a abordagem semiológica não se constitui, entretanto, com sua força mesma, no conjunto das teorias da cultura, apenas por ser um prolongamento mais possante da análise de manifestações literárias, muito pelo contrário: se a teoria dos signos teve um valor próprio para as ciências humanas no último século, em geral, isto não decorreu apenas de seus atributos heurísticos inererentes, mas também pelo fato de que suscitou às humanidades o reconhecimento de uma ordem de fenômenos igualmente nova, e para a qual as ciências humanas haviam reservado senão uma atitude de suspeita; em termos, já vimos antes que o valor das teorias da significação não tem apenas fundamento teórico, mas sobretudo empírico.

3. Toda uma nova ordem de fenômenos característicos da cultura da modernidade passam a receber uma atenção devida, a partir de instrumentais que os valorizam como constituintes do tecido cultural e como fundadas em regras de um sistema de significações: se as relações sociais básicas, se os princípios econômicos da troca de bens, se as manifestações de uma cultura erudita, se todos estes segmentos da vida espiritual podem ser explanados pelos princípios de uma teoria dos signos (como reclamam Eco e Kristeva), ora também as manifestações mais comezinhas da experiência moderna (o cinema, a canção ligeira, as imagens do jornalismo e da publicidade, dentre tantas outras) também mereceriam a atenção de um olhar analítico, que fosse capaz de deslindar em cada uma delas sua porção de determinação por um sistema de significações, garantido que são fatos de comunicação e dados de uma cultura humana.

4. Voltemos, entretanto, ao problema anteriormente abordado das relações entre a comunicação e a significação, pois esta idéia da correlação entre uma ocorrência comunicacional e um sistema de significações que lhe é inerente, não é estranha a um autor como Roland Barthes, por exemplo: no início de seus Éléments de Sémiologie, ele faz indicações sobre a importância e alcance filosóficos que a noção de “solidariedade sistêmica” entre Língua e Fala poderia ter, numa direção distinta daquela postulada pela Lingüística Estrutural de Saussure (isto tudo remete a estas duas noções centrais da Lingüística Estrutural, e que podem ser recobradas no cap. 3 da Introdução do Cours de Linguistique Générale).

5. No caso da linguística, estas duas noções são postuladas para tratar de fenômenos exclusivamente ligados às manifestações verbais (o que poderemos explicitar com mais vagar, quando estivermos imersos nas tramas da conceituação do signo linguístico), ao passo que na semiologia barthesiana, elas permitiriam a assimilação de certos fatos que, ao menos em seu primeiro nível de apresentação, não parecem demarcados de uma origem lingüística: os ritos, a etiqueta, a sinalética, o vestuário, a gastronomia, nenhum desses fatos se constitui enquanto manifestação característica de um gênero de comunicação que pudesse ser restituído à matriz da língua; entretanto, eles estruturam-se, em última análise, sobre o mesmo tipo de princípios que caracterizam os fenômenos da linguagem articulada (segundo Barthes, mesmo estes fenômenos perpassam-se do que ele chama de uma essencial “linguisticidade”).

6. Decerto que, entre os anos 50 e 70, a inspiração do estruturalismo linguístico, de origem saussureana e jakobsoniana (e cujo fundamento remonta ao modo como estes autores firmaram a questão do princípio de diferenciação diacrítica do sentido, na base dos estudos fonológicos da linguagem), instituiu-se (primeiro no ambiente intelectual francês, depois no resto do mundo) como uma verdadeira corrente filosófica que inspirou variados campos das humanidades (entre eles, as teorias da comunicação), e firmando uma verdadeira tradição e uma certa escolástica dos discursos sobre a linguagem e a significação. Em boa medida, a razão deste sucesso está precisamente na operação que Barthes, por exemplo, propõe, quando sugere não apenas expandir o alcance das categorias linguísticas, mas sobretudo estabelecer que nenehuma análise semiológica poderá ir além do limite eminentemente linguístico de sua estruturação.

“Enfim, de um modo muito mais geral, parece cada vez mais difícil conceber um sistema de imagens ou objetos, cujos significados possam existir for a da linguagem: perceber o que significa uma substância é, fatalmente, recorrer ao recorte da lingual: sentido só existe quando denominado, e o mundo dos significados não é outro senão o da linguagem”. Barthes, R. “Introdução”. In: Elementos de Semiologia: p. 11,12.

7. Os textos de Barthes e de Kristeva aqui examinados representam, exatamente neste sentido, uma espécie de programa de expansão (com implicações por vezes imperialistas) dos ensinamentos estruturalistas, de modo a justificar sobre suas bases (e, em especial, dado o caráter mais fortemente normativo e institcional do sistema linguístico) a pertinência de um discurso sobre a significação e a linguagem articulada, em domínios extra-linguísticos: no período em que foram escritos (ambos no decorrer dos anos 60), poder-se-ia imaginar que o grau de formalização e refinamento conceitual alcançado pelas disciplinas da linguagem (em especial a fonologia) e impulsionado finalmente pelo modelo estrutural da antropologia de Levi-Strauss, tornara interditado à interrogação sobre os fenômenos da significação qualquer aspecto que não pudesse visá-los como problemas de natureza estrutural (a saber, como sediados em última instância, no sistema da lingua). Deste modo, é que os dois textos parecem enunciar os conceitos de “língua” e de “estrutura” (ambos tomados enquanto sistema de valores e de funções simbólicas abstratas) como uma espécie de “grau zero” de toda investigação semiológica.

8. Do ponto de vista das fontes teóricas deste discurso, já o vimos, Barthes não hesita em reconhecê-las, na obra de Saussure: ele elabora as relações entre sua semiologia nascente e a linguística estrutural saussureana, especialmente no transcurso das lições sobre semiologia que ministra na École Pratique de Hautes Études, nos anos de 1962/63 (e que vêm a público, primeiramente em italiano, depois em francês, num número da revista Communications, em 1964): nos Élements, ele retoma a idéia de Saussure sobre as relações entre a linguística e uma ciência geral dos signos, mas modifica, em alguma medida, os passos da argumentação saussureana; mas segundo Barthes, os sistemas de signos que constituiriam o objeto da semiologia, não se localizariam num âmbito mais abrangente do que aquele abordado pela própria linguística.

9. No espírito desta apreensão das lições da linguística estrutural, Barthes identifica o ponto de partida que servirá para a sustentação das investigações semiológicas: elas deverão apreender que as catgorias linguísticas (em primeiro lugar, as noções de “lingua” e “fala”) possuem um escopo de aplicação que não pode ser delimitado pela natureza específica dos fenômenos linguísticos (estes últimos fornecem à investigação apenas um modelo para a apreensão da significação, que pode entretanto compreender uma ordem de fenômenos empiricamente mais vasta). Uma vez que todo fenômeno significativo transpassa-se de linguisticidade, decorre então que os sistemas de significação não-linguísticos devem ser inquiridos nos marcos das distinções categoriais entre língua e fala. Barthes principia esta exploração lidando com determinados códigos extra-linguísticos:

·       vestuário (pg.28,29);
·       a comida (pg. 30);
·       o automóvel (pg. 30,31);
·       o sistema dos mídia (pg. 31,32).

10. Do mesmo modo, nos Éléments de Sémiologie, a questão da pertinência destes saberes sobre a ordem do sentido também se manifestam numa tal amplitude de seu alcance, que pode parecer a algum desavisado que a gênese desta disciplina ou da atividade semiológica estaria enraizada numa temporalidade de tal modo genérica e abstrata que pode parecer que este tipo de saber acerca dos processos culturais e de seus fundamentos de sentido teria sido pensado sem qualquer referência às inquietações mais coevas ao momento mesmo em que Barthes vivenciava sua “bebedeira metodológica”, entre os anos 50 e 60 do século passado. As coisas, entretanto, não se passaram exatamente assim.

11. Em primeiro lugar, a exposição das idéias semiológicas de Barthes feitas antes contemplou decerto suas inquietações mesmas sobre o modo como a noção de ideologia é muitas vezes tomada como um parti-pris das teorias sociais, sem qualquer respeito à necessidade de se pensar no modo como se manifesta um sistema de idéias e, sobretudo, como se instaura a predominância com a qual ele se reproduz e se sedimenta com dominância sua reprodução enquanto dado de uma cultura e de uma história específicas. Em termos, ao manifestar pela primeira vez suas idéias acerca da oportunidade ou mesmo da urgencia de um saber semiológico, Barthes as reporta a um certo estado-limite dos saberes sociológicos, com respeito a um fenômeno como o da reprodução dos valores ideológicos.

12. A bem da verdade, este movimento pode-se perceber repercutido no modo como Barthes caracteriza o universo discursivo das comunicações de massa, quando examina alguns de seus aspectos mais estruturais (em especial, o modo como deixam-se assimilar ao poder explanatório do par conceitual “Língua/fala”), nos Éléments: neste plano, cumpre papel especial a atenção que Barthes reserva, na análise de muitos dos fenômenos neste universo semiológico, a um hipotético sistema discursivo das conotações, como característica estrutural mais saliente de campo como o da imprensa e o da propaganda; o fato de que nestes domínios culturais haja o concurso de uma série variadíssima de substancias significantes (ou pré-significantes), como as imagens, os sons extra-linguisticos, os grafismos, tudo isto desafia o olhar semiológico a firmar para cada um desses segmentos das operações de sentido nos media o status correpsondente de um sistema puramente abstrato que lhes seja transcendente.

13. Especialmente no caso da imprensa, Barthes reconhece que a operação com o nível linguístico da significação não deveria ser analisada, na perpsectiva do estrito revezamento entre a particularidade da fala e a normatividade da língua, pois o fenômeno semiológico que entra em jogo, nas operações discursivas do jornal envolve um jogo mais complexo com respeito à institucionalidade linguística. É aqui precisamente que se coligarão as questões de uma sociologia das comunicações de massa (em orientação semiológica) e os fundamentos da crítica do discurso ideológico, proposto um pouco antes, em Mitologias: este problema mais central às questões de método de Barthes é o status semiológico a ser atribuído à ordem das conotações.

“Quanto à imprensa, que podemos considerar, razoavelmente, como um sistema de significação autônoma, aind que nos limitemos a seus elementos escritos, ignoramus quase tudo de um fenomeno linguístico que parece ter nela um papel capital: a conotação, vale dizer, o desenvolvimento de um sistema de sentido segundo, parasita, se se pode assim dizer, da lingual propriamente dita; este sistema segundo é também uma ‘língua’ em relação à qual se desenvolvem fatos de fala, idioletos e estruturas duplas”. Barthes, R. “Língua/fala”: p. 32.

14. Em boa medida, pode-se dizer que a ordem semiológica das conotações fornece a estrutura mediante a qual Barthes pode falar do sistema das comunicações de massa, ao menos naquilo em que este requisita uma abordagem semiológica de interpretação de suas estruturas mais abstratas de sentido: não casualmente, é o tema da conotação que conduz a especulação de Barthes sobre um nível mais “espectral” da significação fotográfica, em dois de seus mais célebres textos matriciais de uma semiologia da imagem, em “La message photographique” (de 1961) e “La rhétorique de l’image” (de 1964). Mas, do mesmo modo que na primeira parte de suas Mythologies, a questão da conotação tem valor mais heurístico do que propriamente teórico. Por isto mesmo, devemos voltar à segunda parte das Mitologias, para examinar de que mesmo é que se trata a conotação e como ela pode se constituir num operador da análise e do deslindamento das estratégias de discurso próprias ao universo mediatico.

15.  Em primeiro lugar, Barthes assinala, desde o título desta seção, que “o mito é uma fala”: com isto, ele quer destacar que (ao menos do ponto de vista de uma semiologia), as realizações míticas não são originárias dos objetos aos quais a associamos (as imagens, as instituições, os personagens, as situações ou cenas, as narrativas), mas do quanto se possa assumir que estes objetos manifestam-se em nossa cultura como “mensagens”, como elementos de uma comunicação, própria ao mito, e que pode muitas vezes nos fazer confundir sua estrutura com sua substância manifesta. Se é próprio do mito oferecer-se em estado de objeto, é tarefa do analista deslindar-lhe o sistema cultural que lhe é subjacente. O mito é um dado de comunicabilidade e de estratégia de aparição, dramatico por excelência e ansioso por ser tomado na sua condição natural.

16. Em segundo lugar (e este é o ponto mais importante deste excurso, pois destaca uma questão de método nesta nascente semiologia), o mito é uma operação de deslocamento: dada qualquer material significante de que se possa beneficiar, o vies mítico se instaura por sobre o sentido instituído (pela lingual, pela história, pelos costumes) e constitui-se como operação de conotação deste mesmo sentido. Segundo Barthes, a fala mítica é parte de um sistema que se instala necessariamente por sobre o sistema da língua, para infundir em seus signos o sentido que é próprio à sua particular operação: não há como restituir este fundamento a um sistema (uma língua conotativa), mas apenas a estas operações mais singulares da apropriação dos signos em sua origem sistemática (por isto mesmo é que ele “é uma fala”).

17. O sistema dos media, assim sendo, se manifesta como instância régia de uma operação permanente e necessária de sutis deslocamentos do discurso, no que respeita esta relação fundamental da referência sígnica: na imprensa e na publicidade, o dizer é sempre parametrado pelas disjunções próprias desta conotação, o que se pode exibir em vários dos casos da análise semiológica barthesiana. Nestes termos, as manifestações do espetáculos das comunicações de massa são assumidas, aqui, como uma espécie de sucedâneo (de substituto mais recente e visível) dos valores pequeno-burgueses, que tanto repugnavam a Balzac, no século XIX, e a Sartre, no último século: são, em suma, o universo de reprodução de um mundo cultural que pretende se universalizar e se estabelecer como princípio natural das coisas (e ao qual o comentário cultural procura fazer uma mais forte resistência.

Referências Bibliográficas:
Barthes, Roland. “Introdução” e “Língua e fala”. In: Elementos de Semiologia

Próximas Leituras:
Eco, Umberto. “O universo do sentido”. In: A Estrutura Ausente.

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