segunda-feira, 30 de maio de 2011

Notas da última aula: o "significante" linguístico como veículo da significação linguística, em Saussure

Queridos,

Seguem abaixo as notas referentes à exposição de hoje, sobre o conceito de "significante", em Saussure. Até amanhã, disponibilizarei os comentários referentes à 2a avaliação parcial.

Ad,

Benjamim



Fundamentos Linguísticos da Comunicação – GEC 043
Aula no 4 (25/05/2011)
Os Elementos da Semiose: da confusão entre veículos e objetos dos signos
4.2. A materialidade da significação: a noção do significante, em Saussure

1. O texto de Umberto Eco expõe ao claro o desafio implicado na definição do sentido preciso com o qual as teorias semióticas aportaram-se ao conceito mesmo de signo (que lhe seria supostamente próprio ou definidor de seu campo de atuação, no contexto das humanidades, por exemplo): se recobrarmos a imensa história do modo como, a variados títulos, este conceito central foi convocado à reflexão, o primeiro problema com o qual nos confrontamos é o da dificuldade de pensarmos a hipotética unidade sob a qual todas estas evocações poderiam ter sido postuladas (desta unidade dependeria, inclusive, a possibilidade de constituir a semiótica mesma enquanto disciplina teórica).

2. Já verificamos anteriormente como este modo de caracterizar a compreensão (como cindida em duas modalidades elementares) significa,  em verdade, as duas fontes da constituição dos saberes semióticos (que, para alguns, inclusive, põe em questão a hipótese mesma de sua unidade disciplinar, como já vimos anteriormente): com este propósito, examinemos como, logo no início de seu texto, o próprio Eco recapitula brevissimamente os vários períodos em que encontramos os arcanos de uma doutrina dos signos no percurso da reflexão filosófica sobre problemas que lhe seriam próprios.

“O projeto de uma ciência semiótica atravessou os séculos: frequentemente sob a forma de tratados orgânicos (pense-se no Organon, de Lambert, em Bacon, em Peirce, em Morris ou em Hjelmslev); na maioria das vezes, como série de alusões espalhadas no seio das discusses mais gerais (Sexto Empírico, Santo Agostinho ou Husserl); de quando em quando, sob a forma de prnúncios explícitos, auspiciando um trabalho a ser realizado, e como se todo o trabalho até então realizado tivesse que ser repensado em termos semióticos (Locke e Saussure). Cf. Eco, U. “Signo e Inferência”: p. 16.

3. Assim sendo, ao descrever seis classes nas quais a noção de signos é especialmente empregada na fala cotidiana (a saber, as inferências naturais, as equivalências arbitrárias, os diagramas, os desenhos, os emblemas e os alvos), podemos notar que estas várias modalidades se agrupam em torno de duas idéias principais, associadas ao esforço por se definir o conceito mesmo de signo: de um lado, a relação que lhe é própria (o “estar para algo” que lhe é próprio) envolve toda aquela ordem de fenômenos que gravita em torno das faculdades inferenciais que definem certos de nossos atos de compreensão, e da qual já tratamos em detalhamento, no modo como o conceito de signo se constrói nas suas primeira evocações, no pensamento clássico da Antiguidade, e como se cristaliza finalmente na filosofia lógica da significação, em Peirce.

4. Neste ponto da exposição, entretanto, é este segundo conjunto de fenômenos associados ao conceito de signo que merece algum destaque maior: assim sendo, por exemplo, se no caso das “inferências naturais” é a implicação causal que dá molde aos regimes da compreensão, em toda uma outra ordem de fenômenos (mais ou menos característicos de uma estrutura de compreensão típica do entendimento que temos sobre palavras e sentenças), não poderíamos reclamar, na condição de uma faculdade primordial desta compreensão, os mecanismos de implicação pelos quais a noção mesma de “signo” despontou para nossa exposição. Pois então examinemos este conjunto de fatos aos quais uma outra idéia de signo parece fazer sala.

“O signo é um gesto emitido com a intenção de comunicar, ou seja, para transferir uma representação própria ou um estado interno para outro ser. Naturalmente, presum-se que, para que a transferência tenha êxito, uma determinada regra (um código) habilite tanto o emissor quanto o receptor para entender a manifestação do mesmo modo.” Cf. Idem: p. 18,19.

5. Na relação que é própia ao modo como empregamos termos isolados da linguagem,   (em especial, as palavras), seus objetos são “afecções da alma”, sendo apenas neste sentido se pode dizer, com Aristóteles, que as palavras são signos: quando as empregamos, sinalizamos que há algo que se passa em nós e que desejamos exprimir através dos sons articulados que emitimos. No que respeita, em primeiro lugar, o modo como compreendemos palavras, a impossibilidade de defini-las enquanto signos diz respeito às condições sob as quais ela torna unidos os termos da expressão (as palavras) e as afecções da alma que elas representam: a matriz desta união não decorre das condições factuais mediante as quais as duas faces se ligam (palavras e afecções), pois não há motivação nesta relação, apenas convenção (é o que define as palavars como símbolos e não como signos, na perspectiva aristotélica).

“Prova disto é que, enquanto na Retórica o signo sera sempre entendido como princípio de uma inferência, em todas as páginas em que ele escreve sobre a linguagem verbal, o termo linguístiico (símbolo) se baseia no modelo da equivalência; pode-se dizer, alias, que é Aristóteles quem instaura o modelo da equivalência para os termos linguísticos: o termo é equivalente à próipria definição e é plenamente conversível com ela (como veremos no segundo capítulo deste livro).” Cf. idem: p. 36.

6. Com os estóicos é que emerge pela primeira vez, ao menos no contexto da Antiguidade, o espírito com o qual a investigação filosófica sobre os signos assimila à ordem inferencial (na qual o signo era pensado inicialmente) o domínio da expressão linguística de conteúdos mentais: para isto, operam sobretudo um refinamento na caracterização daquilo a que podemos chamar de conteúdos da expressão verbal; a virtude dos estóicos é a de assumir a realidade do discurso nas suas próprias modalidades, sem correlacioná-las necessariamente com as condições de verdade dadas nas idéias e nas afecções. Nos termos em que Eco compreende estas transformações, é com a filosofia estóica, que os objetos da referência assumem a condição de entidades do discurso e da razão (os lekta “incorporais”) e não do mundo físico. Nestes termos, se não chegam a incorporar as palavras aos signos, decerto que os estóicos elaboram uma sugestiva filosofia dos conteúdos linguisticos e de sua correspondente forma lógica: quando examinarmos, mais tarde, o conceito semiótico de “significado”, verificaremos a importância deste tipo de abordagem, característico da antiguidade das teorias semióticas (mas do qual nos restou muito pouca documentação sobre os detalhes da argumentação).

7. No modo como, ainda segundo Eco, Santo Agostinho tentou unificar estas duas ordens da concepção do signo, sete séculos depois dos estóicos (e dezesseis séculos antes de Saussure), poderíamos estabelecer que a relação entre fatos é, de certo modo, uma resultante (decerto cronológica, oxalá ontológica) das relações entre as expressões linguísticas e seus conteúdos (em termos, entre as palavras e seus significados). Uma admissão como esta nos conduziria a pensar o estatuto lógico do signo como localizado no âmbito da conotação (do sentido indireto), ao passo que os signos linguísticos seriam, por definição, denotativos. Mais tarde, entretanto, a questão da significação se sofistica, em Agostinho, quando considera a função própria aos termos de ligação (os sincategoremáticos), o que dá início ao que Eco designa como “modelo instrucional” ou seja, a análise contexual do significado.

8. Em todas estas questõe, entretanto, estamos nos reportando muito mais àquilo que dignifica semioticamente a expressão linguística, pelo fato de podermos estipular os conteúdos relativos a cada uma de suas manifestações ou ocorrências: assim sendo, enunciados e proposições verbais são “signos” porque seu significado pode ser determinado, no modo como a ordem de seus conteúdos manifesta-se em estado de sistema; mas é fato que este não é ainda o tema de nossa reflexão, pois é relativo à unidade dos “significados”, de que trataremos a seguir, o que deve então dirigir nossa atenção para aquilo que constitui o veículo propriamente dito de uma significação que se manifestaria na articulação das formas linguísticas. Precisamos, então, pensar no que é que faz dos sons um fenômeno de estudos próprio ao que chamaríamos de signos: o que há, enfim, nas expressões verbais, que as configura enquanto partes de uma significação?

“Também aqui convém manter distância do puro lado material, objetivo e individual. Cada um de nós, ao falar, possui um timbre pessoal de voz, peculiaridades de pronúncia, uma entonação ligada ao humor e à origem regional: isso faz com que aprópria frase, ou até a própria palavra, cedam lugar, cda vez, a sequências de sons bem diferentes. Se com base em sons materialmente tão diferentes reconhecemos ‘a mesma palavra’, é porque identificamos entidades estáveis, fundamentadas em códigos e convenções culturais, e portanto não individuais, mas coletivas”. Cf. Volli, Ugo. In: “Signo”: p. 33.

9. A Linguística estrutural de Saussure vai resolver esta questão do sistema arbitrário sob o qual as expressões linguísticas podem ser explicadas, a partir do modo como ele concebe o próprio signo linguístico: neste caso, temos que separar momentaneamente aquilo que é central para a linguística (o estudo da língua enquanto sistema de regras), daquilo que nos interessa agora, a saber, o modo como Saussure define a unidade minima do signo, enquanto parte deste sistema. Vejamos como estas questões se constroem, em seguida.

10. Um aspecto decisivo da caracterização dos veículos linguísticos da significação diz respeito ao modo como Saussure estabelece o princípio que confere ao significante o valor que lhe é próprio nos processos linguísticos: se a união deste com o significado envolve a arbitrariedade do signo linguístico, no que respeita esta suposta “materalidade” do significante, ela também manifesta um aspecto do sistema da lingual, que é o da linearidade sob a qual seus valores são constituídos, em cada unidade minimamente dotada de sentido (como na união dos sons que formam um termo simples e o sistema de valores consoantais que ela implica).

Em um sistema simbólico os significantes servem apenas para diferenciar-se reciprocamente. Para poder faze-lo com eficácia, a diferença deve ser sistemática; por exemplo, nas palavras, deve-se proceder por variações dentro de certos sons considerados pertinentes da lingual, os fonemas. Mas também os fonemas dependem do sistema linguístico e são arbitrários”. In: idem: p. 47.

11. A definição linguística do “signo”, assim como os princípios que regem sua articulação, no sistema de valores que é a língua, influenciou enormemente a constituição dos saberes semiológicos, como já vimos antes, em especial no modo como Roland Barthes restitui ao papel da descoberta da obra do lingüista genebrino a maior influência de seu turno semiológico, entre o fim dos anos 50 e o início dos 60; a incidência dos saberes lingüísticos no processo de constituição da semiologia enquanto ciência se justifica pelo modo como as ciências da linguagem permitem à nascente ciência geral dos signos a observação de uma série de fenômenos correlatos às linguagens naturais (mas não articulados a partir do mesmo tipo de matéria própria à língua), e que poderiam ser observados, a partir de princípios firmados pelo modo como Saussure definiu o objeto e as finalidades da própria linguística (o que não se deu de modo simples, mas por uma série de transposições e de especificações feitas à definição saussureana do signo linguístico).

“…entre os signos linguísticos, é preciso, com efeito, separar as unidades significativas, cada uma das quais está provida por um sentido (as ‘palavras’ ou, para ser mais exato, os ‘monemas’), e que formam a primeira articulação, das unidades distintivas, que participam da forma, mas não têm diretamente um sentido (os ‘sons’, ou melhor, os ‘fonemas’) e que constituem a segunda articulação”. Cf. Barthes, R. “Significado/significante”: p. 42.

12. Numa passagem do capítulo sobre o signo, nos Éléments, Barthes nos sugere um modo de pensar o lugar mais próprio desta instância mais concreta ou atual dos processo de significação (e que não deve ser jamais confundida com o conceito mesmo do “signo”, numa perspectiva lestritamente linguística): se tomarmos como referência o princípio da dupla articulação dos signos linguísticos, podemos estipular o lugar mais próprio da dimensão significante no domínio das relações puramente diferenciais que caracterizam o signo linguístico (aquela que é própria à disposição estruturada dos sons, e que não tem correlação necessária com o sentido e a referência dos termos simples). O domínio da fonologia ilustraria , assim, um aspecto puramente significante, que constitui o signo linguístico enquanto unidade de um sistema (portanto, relativa a regras e valores), antes mesmo da remissão a um sentido propriamente semântico.
  
Referências Bibliográficas:
BARTHES, Roland. “Significado/significante”. In: Elementos de Semiologia;
ECO, Umberto. “Signo e Inferência”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
VOLLI, Ugo. “Signo”. In: Manual de Semiótica.

Próximas Leituras:
ECO, Umberto. “Sobre o ser”. In: Kant e o Ornitorrinco;
QUINE, W.v.O. “Sobre o que há”. In: Existência e Linguagem.


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